L me conta que um homem se
atirou na frente do seu carro enquanto deixava o restaurante. Era um rapaz e
tinha uma cerveja na mão, lembra, talvez estivesse bêbado e o fato se limitasse
a isso, um jovem embrigado atacando uma mulher na rua. E dizer que se limitava, como se se tratasse de ninharia, já era em si uma violência.
Mas é possível que também não estivesse bêbado. É possível que desesperasse. Um desnorteio que houvesse tentado controlar, talvez L o fizesse lembrar de um rosto, quem sabe se L não fosse esse elo que o rapaz evitasse sempre que se deparava com a matéria própria da memória, que queima e fere a pele mais que fogo, mais que asfalto quente.
Mas é possível que também não estivesse bêbado. É possível que desesperasse. Um desnorteio que houvesse tentado controlar, talvez L o fizesse lembrar de um rosto, quem sabe se L não fosse esse elo que o rapaz evitasse sempre que se deparava com a matéria própria da memória, que queima e fere a pele mais que fogo, mais que asfalto quente.
Eu respondia e L prontamente
rejeitava qualquer resposta, não estava satisfeita com nada, esperava que eu a
consolasse e dissesse que se tratava obviamente de um assédio, um ataque
covarde cometido por homens em grupo a uma mulher desgarrada.
E pensei que L tinha razão,
fora alvo de uma emboscada, sim, era tão frequente que uma mulher se achasse
nessa situação, indefesa, à mercê da força do homem. E, mesmo assim, não foi o primeiro pensamento
que tive. L até achou que eu estivesse sendo apenas homem quando, sem que eu
perguntasse, descartou a hipótese da roupa provocativa. Disse que não havia
sido isso e mesmo que houvesse ela tinha direito de usar o que quisesse. Eu concordei,
na verdade sequer pensara nessa possibilidade.
L não acreditou. Pareceu chatear-se,
mas em seguida rimos e o assunto morreu.
Horas depois pensei nisso, já
sem L por perto, na ameaça que espreita, no acidente, na violência que
interroga. E em certa indiferença com que tratamos habitualmente um gesto que
deveria ser condenado.
Mas isso sou eu pensando meio culpado por não ter dito claramente a L que eu entendia suas
razões para sentir medo, eu mesmo tinha medo do medo que os outros sentiam, eu
tinha medo se uma mulher virasse a esquina para não cruzar comigo tarde da
noite.
Ou quando voltava da praia de bicicleta e acontecia de estar sem camisa, eu, homem branco, causando um sobressalto no final da tarde. Eu que nunca achei que causaria medo a outra pessoa.
Ou quando voltava da praia de bicicleta e acontecia de estar sem camisa, eu, homem branco, causando um sobressalto no final da tarde. Eu que nunca achei que causaria medo a outra pessoa.
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