Finalmente reencontrei Carlos, o bêbado. Carlos é e não é o que pensamos. Está na praia todos os dias, carrega sempre uma garrafa de cachaça a tiracolo. É um pastorador de ventos. Ontem tangia um gato quando passei de bicicleta e ele olhou sem me ver, apenas vagamente impressionado por me reencontrar ali tanto tempo depois. Quis lhe perguntar, chegar mais perto, mas era tarde e a fome batia. Carlos: a barba mais longa, o olhar quebradiço de quem não dorme já há muitos dias, um aspecto em tudo destoante do Carlos que imaginei. O tempo opera pequenas vilezas. Convém na cair nas suas armadilhas. Carlos foi meu confidente, agora já nem me escuta. Antes que o alcoolismo o lançasse nesse torvelinho de desvario no qual não distingue o dia da noite, eu lhe puxava a manga da camisa e perguntava: ela virá? Carlos assentia. Ela sempre vem. E então tornava a bebericar aguardente como o passarinho extraviado ou as aves de papel que ela deixara por ali não fazia tanto tempo.
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)