Não é sempre que o texto começa sem finalidade, vadio no espaço entre as palavras, ganhando corpo aos bocados, fundando-se a cada frase, inaugurando sentidos à prestação. Às vezes acontece de partir duma ideia pré-definida e só depois se desencaminhar, extraviando-se do pressuposto, desdizendo o juízo, desgovernado e aprumado ao mesmo tempo. Finge que vai, mas fica; que fica, mas vai. Noutras, sucede que, mesmo forçando a mão para que tome uma direção, termina por desaguar em outra. Já vi textos que principiam por afirmar X e arrematam com Y, embaraçando todas as letras do alfabeto no percurso. Finge que finge, e fica por isso mesmo. E há casos em que a aparente uniformidade da progressão narrativa é apenas um alçapão abaixo do qual se desenrola o enredo vicinal, intercalado, atravessado por alamedas, becos e córregos. Uma história sem fingimento.
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)