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Mostrando postagens de agosto 13, 2015

Janela

Minha janela fica em frente ao aeroporto, mas dizer em frente não é muito preciso. Digamos que fica a alguns quilômetros do aeroporto e que daqui vejo os aviões decolando e pousando, escuto o som e me divirto imaginando os rostos na janela. Me divertir é exagero, me divirto mesmo é pensando que poderia estar viajando agora, neste momento. Se eu fosse outra pessoa e não a pessoa que sou vivendo a vida que vivo. Não tenho problema com a vida que vivo, apenas gosto de pensar que, lá nas alturas, a quilômetros de distância, tem alguém com o rosto colado no vidro olhando pra baixo, talvez pra mim, e a gente não se reconheça. Um dia, li que um boeing holandês tinha feito um pouso de emergência em Fortaleza. Parecia sério. Fiquei alarmado. Tudo que diz respeito a aviões e voos é alarmante. Leio turbulência e minhas mãos suam. Escrevo avião e tenho dor no estômago. Ironicamente, consumo muita informação sobre voos e aviões. É um modo de lidar com o perigo: estando perto. Quando e

Adeus à linguagem

Olha, eu disse pra ela, tem uma cena que não entendi bem. Eu não entendi nada. Eu também não. Estávamos falando do novo Godard. Falar novo Godard já é meio pernóstico, eu acho, pressupõe um Godard mais velho, ou os filmes mais antigos, aos quais eu teria assistido e compreendido e se ela quisesse agora eu até falaria a noite inteira sobre uma cena específica de um desses filmes. Acontece que não vi o Godard antigo, apenas o novo, e o novo eu não entendi nada, mas digo que não entendi uma cena, as demais, pode perguntar. Então e aquele cachorro? Silêncio.   Eu minto, minto pouco, mas minto. Eu minto muito, mas apenas pequenas mentiras relacionadas ao social, tipo se conheço Tolstoi ou Cervantes. Falar o novo Godard, por exemplo, e o antigo também, isso ajuda com as meninas? Depende, se entendeu e quer falar, não ajuda, se não entendeu nada e mesmo assim quer falar, ajuda. Eu não entendi nada. Eu também não. Trocaram sorrisos

Nome impróprio

Cada nome revela um segredo. É possível adivinhar. Basta esquecer. O nome casa, ou sorvete, ou prato e sujeira e axila e cheiro. Boceta, pau, peito, bunda, perna, língua. Nome é tudo igual.  A sílaba parada, suspensa e só, depois outra e outra. O nome, essa arbitrariedade que o significado conserta. A alma que existe ali, nós inventamos. Na criança que fui, tinha essa mania de olhar o telhado sem coberta de cimento, apenas telha e madeira na trama que protegia da chuva e sol. De manhã cedo, tipo seis horas, o sol entrava de lado, meio filtrado, entre o telhado e a parede, a imagem se invertia e quem passava na rua ficava de cabeça pra baixo na parede. Eu, na rede, assistia ao filme mudo das sombras de ponta-cabeça ainda meio sonolento, mas admirado que fosse assim. Eu gostava que fosse assim. O teto virava uma câmara escura, projetando o movimento. Quem ia, voltava, quem voltava, ia. Até que o pai mandou cobrir o teto de casa e cada coisa recuperou o seu tem

E se?

E se as manifestações de domingo bombarem? E se nova fase da Lava Jato explodir o governo? Difícil prever, tanto adesão no domingo, se massiva ou nanica, quanto o futuro da investigação. Sobre domingo: talvez nem tão grande quanto a manifestação de março nem tão pequena quanto a de abril. Apenas o suficiente pra manter o governo alerta. Mas, e se bombar? Muda alguma coisa? Mais pressão no Congresso, sobretudo na Câmara, que teria de esperar parecer do TCU pra tentar a única cartada em mãos: impedimento. Mas aí veio o STF e decidiu que a responsabilidade por essa cartada será dividida entre Câmara e Senado e que não caberá a Cunha liderar o processo, mas a Renan. Como disse um: ter amigos fortes no STF é tudo. Um palpite: o timing do impeachment passou. Agora, só com fartura de provas de envolvimento direto da presidente com algum trambique. Sem isso, baseado apenas em domínio do fato, nada feito. Os negócios estão prejudicados e há muita volatilidade. O

O que será que será

Sobre política, com perdão. Foi a pior semana do Eduardo Cunha desde o anúncio pela PGR de que era um dos investigados na lista de Janot. Senão vejamos. 1. Na tarde de hoje, o mesmo Janot, em resposta ao pedido de anulação das provas colhidas na Câmara na operação Lava Jato, respondeu que Cunha usa a AGU e a própria Câmara em benefício próprio.  2. Empresa contratada ao custo de R$ 1 milhão para rastrear contas no exterior de envolvidos na Lava Jato, a Kroll desistiu de esperar a CPI da Petrobras. O objetivo explícito da investigação paralela era ferir a credibilidade das informações prestadas em delação premiada, de modo a questionar a autenticidade dos dados no âmbito do processo. Com a desistência, a CPI, além de torrar esse milhãozinho à toa, fica a ver navios.  3. Com Renan bandeado de vez para os lados do governo e Temer na articulação, Cunha, o terceiro cacique do PMDB, prega sozinho no deserto. 4. Ministro do STF decide que contas do governo s

Nome comum

Depois do Ben Lerner, avancei em “A amiga genial, mas fracassei vergonhosamente no novo Vila-Matas, que me aborrece com tanto jogo e autorreferência, quando tudo que eu queria era um dramazinho chinfrim sobre uma pessoa qualquer, e não um escritor contemporâneo visitando a kassel e relatando tudo num registro entre o ficcional e o real. Um dramazinho qualquer, sim, ainda que cercado das limitações, ainda que pobre de intenções e desejos. O drama da idade, que seja, ou da doença e da distância. O drama da falta de dinheiro ou da falta de amor. O drama do tempo escasso, do medo e da indiferença. O drama da carência de drama, o drama do excesso, o drama da culpa e do arrependimento, o drama da lembrança e do esquecimento. O humano baixo, exposto e maltratado, cansado e encurralado, feliz e impotente. O humano sem resposta, que entende que a vida é isto, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos, e que o restante, o que um dia acreditamos que se tornaria real por conta próp