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Mostrando postagens de novembro 27, 2017

Variações sobre o mesmo tema

Fico com isso na cabeça de ir me servindo do próprio corpo, de ir afundando as unhas na carne e retirando camadas como se cortasse cebola, de ir mesmo até o sumo e lá deparar com nada, de voltar de mãos abanando porque sempre estive procurando, de estar como o menino a quem a mãe pedia que fosse até a mercearia e trouxesse isso e aquilo e de lá voltava só com a metade dos itens porque a outra metade tinha esquecido no caminho. Por trás disso está toda uma ideia enganosa de essência. Que levamos algo a algum lugar, que passeamos um punhado de noções muito charmosas e decentes a respeito da existência e do amor e de como as coisas se dão nesse intervalo entre vida e morte. Que temos  muita coisa própria, que cada parte de nós fala uma verdade pessoal que expressa exatamente quem somos.  Verdade: não temos nada. Não somos nada. Não testemunhamos nadica de nada, exceto o passar dos dias e a progressiva falência de tudo. Há quem veja nisso certo pessimismo, um gosto especial p

Carta do mágico

Dizer no papel, em caneta e traço, é reler vagarosamente cada palavra e esperar que seu peso e sentido criem raízes. Escrevi isso um mês atrás. Era uma quinta, acordara triste e queria dizer o que não sabia, mas digitar era impossível. Então peguei caneta e bloco. Um antigo, enterrado na mochila. E rabisquei umas letras que depois eu mesmo tive dificuldades de entender. Eram garranchos, coisas das quais ia me desfazendo por necessidade, traços que se prolongavam uns nos outros, uns sobre os outros. Uma algaravia, mas era uma algaravia que criava ordem. Acho que os fiz assim exatamente para que não pudesse ler. Eram inteligíveis apenas no instante em que eram ditos.  Queria também que fossem palavras que fundassem outra coisa, outra vida. Palavras que criassem mundos, que instaurassem um tempo, que interrompessem e que inventassem, que fizessem mágica. Mas no fundo eram palavras.  Queria ser o mágico, alguém que deixasse de lado essa condição e passasse a outra, que se es