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Mostrando postagens de outubro 6, 2016

Parágrafo noturno

Que se escreva não à noite, mas durante o dia, por alguém que acredite ser noite e não dia, que troque as horas e as luzes, que confunda claro e escuro e de vez em quando até nem veja diferença entre uma coisa e outra, estando e não estando, alguém cuja falta de capacidade para distinguir mudanças climáticas e pequenas alterações não seja um embaraço, um fardo, mas um motivo de alegria, um contentamento qualquer como dinheiro encontrado no bolso da calça dobrada no espaldar da cadeira. Um parágrafo assim, feito ao avesso, desengonçado, mais fabulação que história, mais acaso e desencontro que fio e caminho, mais lusco-fusco que meio dia ou noite já bastante avançada. 

Travessia

Outro exemplo é o da faixa em X do cruzamento das avenidas da Universidade e 13 de Maio, um trecho de intenso ir e vir formado por diagonais que partem de extremos diferentes e se encontram no meio da rua, num pedaço de asfalto onde só cabem paradas quando de manifestações estudantis, e aí, sim, é permitida a pausa no tráfego, a interrupção do fluxo, a falha do deslocamento. Sem isso, o encontro da faixa cruzada é uma casualidade, resultado de uma lógica probabilística – duas pessoas caminhando a partir de pontos diferentes em velocidades diferentes e sentidos contrários podem se encontrar no exato momento em que cruzam o corredor estudantil, no centro da faixa, no X do X que traçaram para facilitar a travessia de pedestres não de ponta a ponta, mas de extremos a extremos. 

Corrida espacial

Andou até o farol e lá de cima o que viu aqui em baixo pareciam formigas, só que um pouco maiores. Aquele pedaço da cidade nunca antes visto. Morava há 36 anos no mesmo lugar, vendo as mesmas ruas, as mesmas pessoas, mas ainda hoje se espantava de que tudo fosse tão diferente. Podia ser Fortaleza, mas também qualquer outro lugar.   Uma lista de locais que imaginava desconhecer parcialmente ainda que já os tivesse visitado antes: O cemitério de barcos. A praia. A praça central. A igreja. Um dia, passando de carro na avenida, tentou fixar cada rosto na parada de ônibus. Uma dúzia de pessoas. Aonde iam, o que esperavam, com quem falavam ao telefone? Sentiu novamente a vertigem de estar diante da vida que escapa. Era uma imagem-clichê, dessas que palestrantes usam nos auditórios quando querem impressionar uma plateia leiga. Era a imagem a que recorria sempre. Porque era simples, verdadeira e pessoal. Tudo acontecia fora dali, fora do que considerava como sua v