Crônica publicada no jornal O Povo em 25/4/2013 Embora não conheça estudos que confirmem, a multiusabilidade vem transformando os espaços e objetos e, com eles, as pessoas. Hoje bem mais que antes, lojas não são apenas lojas, mas lugares de experimentação – sai-se dos templos com a vaga certeza de que se adquiriu alguma verdade inacessível por meios ordinários. Nelas, o ato de comprar, que permanece sendo a viga-mestra de qualquer negócio, reveste-se de uma maquilagem que se destina não a falsear a transação pecuniária, mas a transcendê-la. Antes de cumprir o seu destino (abrir uma lata de doces, serrar a madeira, desentortar um aro de bicicleta), os objetos exibem essa mesma áurea fabular de que são dotados apenas os seres fantásticos e as histórias contadas pela mãe na hora de dormir. Embalados, carregam promessas de multiplicidade, volúpia e consolo. Virginais em sua potência, soam plenos e resolutos, mas são apenas o que são: um abridor de latas, um serrote, uma chave-estrela.
Diz-se que a “dronização do olhar” é um fenômeno cultural responsável pelo alargamento da visão, mas talvez seja o contrário. Nele, a capacidade de enxergar se estreita, com a vista tornando-se mais postiça porque se projeta artificiosamente para um horizonte cuja amplidão não abarca, mas satisfaz o fetiche de que a totalidade está disponível para deleite imediato. Eis um desafio e tanto para a crítica sob qualquer formato: consumar-se sem se consumir no engano. Não digo sequer estar à altura de seu tempo, mas não estar totalmente obsoleta no próprio instante de sua existência pela leviandade de depositar fé excessiva nesses dispositivos mágicos. Penso no caso da adolescente sacrificada ritualmente pelas redes, por exemplo. Tudo ali é escancarado: a perda de aderência ao concreto transmitindo-se ao vivo, a desresponsabilização, o excesso de conexão que faz fermentar a massa egoica coletiva, judicativa e plenipotente. Uma epidemia de virtude combinada a uma economia da fraude, que não p