Penso na gincana de nudez médica durante um evento esportivo da universidade, na mistura entre provocação e ato obsceno cuja destinação era o próprio ginásio, repleto de meninas e meninos, ou seja, a comunidade escolar como um todo, sem restrição.
A exibição do falo como medida de orgulho em desfile competitivo, sua ostentação como totem de masculinidade, a desinibição performática que se confunde com esse sentido mais liberado de classe.
Aos ricos ou muito ricos, tudo sempre desobstruído, os caminhos alargados, sem esses obstáculos que normalmente se interpõem aos montes, atravancando e mesmo vedando o acesso desses outros aos círculos mais bem posicionados.
A hipervisibilização do pau é também demonstração de força e poder. Força de classe, poder de despir-se sem que nada de mais grave lhe ocorra. Exceto na hipótese de um acidente de percurso, logo depois corrigido, como um vídeo que vaza, escorregando para fora do circuito habitual de consumo e reclamando punição à altura na esteira da comoção.
Afinal, que outra categoria profissional no Brasil se outorga, simbólica e concretamente, mais privilégios que essa a qual cabe a honraria de vergar o jaleco como uma toga de salvo-conduto, um passe livre para essa masturbação capital que é o exercício permanente do discurso de exclusão?
De imediato, talvez porque tenha sido outro momento de grande vergonha nacional, lembro das vaias aos cubanos, recepcionados em terras cearenses por um tropel de bestas vocacionadas à humilhação e que depois estariam na linha de frente dos tratamentos sem eficácia contra uma doença que se mostraria implacável.
Também ali os médicos e médicas desnudando-se sem corar, desobrigados de qualquer decência.
Não faz tanto assim, a turma dos recém-formados fotografada de calças arriadas, as mãos trianguladas sugerindo o contorno de uma genitália, vestindo o branco impecável e tão singularmente distintivo como é entre nós essa cor, reverberando marcações de séculos que permanecem agora.
Há ecos dessa vaia e dessa captura na manipulação do pênis, na produção da imagem da diferenciação entre mulher e homem, na fabricação de domínio desde os bancos da universidade até a consolidação do aprendizado em sala de aula?
Quero imaginar que não é casual que esses fenômenos de vexames narcísicos estejam associados e que as alvas batinas dos sacerdotes da medicina desempenhem neles uma função quase catártica, ainda que ausentes da cena.
Como se, uma vez de posse dessa indumentária sacra, agora titulados e autorizados a se apresentarem socialmente sob essa chancela, os indivíduos se vejam desimpedidos para expressar conteúdos antes reprimidos, atuando segundo critérios éticos tortuosos.
Por essa régua, médico e monstro igualam-se, não há medida nem variável que os faça estranhos um ao outro. Estão num só corpo, à mostra e mesmo assim íntegro, alheio a qualquer risco de violação, valiosos pelo que são, carregam e expõem à vista.
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