Pular para o conteúdo principal

Projeto de vida



Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo.

Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido.

Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação.

No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato.

Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar.

Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro.

Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular como cada um se conduz no dia a dia.

Como se houvesse um modo particular (uma ideia de pessoalidade?), um gosto singular, um certo jeito de pôr as coisas em seu canto, uma maneira de encarar a vida, um “mindset” e coisa e tal, e tudo isso fosse passível de uma reconfiguração mental, digamos assim.

Ao simples toque da desejabilidade, ao comando intimorato da vontade, que se impõe a tudo por capricho, dobrando toda dificuldade a golpes de comunicação não violenta e essas besteiras todas que ensinam aos empreendedores de si. 

Como se vê, não é muita coisa o que considero como projeto de vida para 2025, apenas meia dúzia de pequenos acontecimentos, de tropeços e desvios, de exercícios musculares e de corridas, de mais horas dormidas e mais dias de trabalho contínuo, de esforço e de fé.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Essa coisa antiga

Crônica publicada no jornal O Povo em 25/4/2013  Embora não conheça estudos que confirmem, a multiusabilidade vem transformando os espaços e objetos e, com eles, as pessoas. Hoje bem mais que antes, lojas não são apenas lojas, mas lugares de experimentação – sai-se dos templos com a vaga certeza de que se adquiriu alguma verdade inacessível por meios ordinários. Nelas, o ato de comprar, que permanece sendo a viga-mestra de qualquer negócio, reveste-se de uma maquilagem que se destina não a falsear a transação pecuniária, mas a transcendê-la.  Antes de cumprir o seu destino (abrir uma lata de doces, serrar a madeira, desentortar um aro de bicicleta), os objetos exibem essa mesma áurea fabular de que são dotados apenas os seres fantásticos e as histórias contadas pela mãe na hora de dormir. Embalados, carregam promessas de multiplicidade, volúpia e consolo. Virginais em sua potência, soam plenos e resolutos, mas são apenas o que são: um abridor de latas, um serrote, uma chave-e...

Desproduzindo conteúdo

A vida degenerou em excesso de conteúdo, matéria-prima vazante que transborda por todas as latitudes, cada usuário o usurário de si mesmo, o explorador de sua própria mão de obra, da qual não extrai qualquer ganho salvo uma ou outra ninharia, com a qual se contenta ao final dessa jornada camusiana rumo ao abismo. Por que produz, então? Porque o horizonte é o da imediata monetização, da rápida conversão de toda experiência ou trivialidade no papel-moeda digital que estrutura a elaboração narrativa, alimentando-se a roda do engajamento dia e noite, seja no discurso textual ou no audiovisual (da propaganda ao cinema, passando pelo jornalismo). Disso são exemplares atualmente esses tantos vídeos com legendas, expediente cuja funcionalidade parece ter se perdido de vez. Antes empregadas para assegurar a acessibilidade, agora operam não mais como um apêndice, mas como um adorno da encenação que, de tão extravagante, acaba por ocupar toda a cena, esvaziando o sentido de qualquer lógica de tr...

Pedagogia do remendo

O cearense é, antes de tudo, um remendo. O nativo define-se não pelo que constrói, mas pelas gambiarras que maneja com habilidade particular. Feitas por nós, a Torre Eiffel não passaria de um ajuntamento de bambus e cola maluca e a ponte Rio-Niterói, um conjunto mambembe de tábuas atadas umas às outras por cadarços de sapatos - as pirâmides se transformariam em barro untado com manteiga da terra. Nosso esporte é o improviso. Evitamos a solução definitiva como o beatífico senador evita o doce pecado da carne. Sempre que a alma local se vê confrontada com um impasse, a saída costumeira é recorrer ao paliativo, lugar de chegada de todo esforço. Ao alencarino, eliminar por completo um problema implica necessariamente criar uma arenga maior ainda: afinal, o que faremos quando não houver mais nada para fazer? Daí que o reparo final soe estapafúrdio e mesmo ontologicamente contraproducente. Interessa o gesto incompleto, a artesania do provisório, a engenharia do incerto, a arquitetura da lacu...