De repente, os objetos da casa começaram a enguiçar. Primeiro o computador, depois o celular, como numa revolta do mundo inanimado, que aproveitou a quarentena para mostrar que estamos à mercê de coisas, e essas coisas têm vida própria. Ontem foi a vez da geladeira, que já vinha dando sinais de que, mais dia, menos dia, pediria a conta dos trabalhos forçados por quase dez anos ininterruptos e finalmente descansaria, sem direito a aposentadoria após tanto tempo aguentando vasilhas de feijão azedo esquecidas por meses num canto da prateleira e fatias de cebola cortadas e jamais usadas. Antes, porém, o ventilador, num arroubo juvenil, recusou-se a funcionar por três horas, num piquete que entendi como recado político claro: naquela noite abafada de Fortaleza, sua importância era vital. Ele sabia disso. Eu também. Mancomunado com o ar-condicionado, o eletrodoméstico impôs-se uma operação tartaruga, e suas hélices não se moveram por muito tempo, me obrigando a tomar cinco
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)