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Mostrando postagens de março 12, 2016

Um PS

E um PS sobre o PS sobre o tópico não imediatamente anterior, mas quase isso. Um detalhe nunca é um detalhe, e isso é tão comum, fácil de falar, meio óbvio e tal, que fico com vergonha e admito essa vergonha com mais vergonha ainda, como numa onda que arrebenta sobre outra onda, dando numa terceira e numa quarta ondas agora indistintas, onde começa a primeira, onde termina a última onda, isso ninguém em sã consciência jamais dirá com toda a certeza. A vergonha é assim, o detalhe também. Ambos compõem quadros inteiros feitos de pequenas amostras de outras amostras tomadas de partes antes inteiras, totalidades que se desintegram para formar painéis maiores ou menores. Estátuas que se desmancham na esquina para recompor outra.  Ia dizendo que o detalhe não é mero detalhe, mas, ao contrário, totalidade, ou seja, visão ampla de algo que o ultrapassa. Quando disse isso, o detalhe em questão relacionava-se a algo que julgava importante dizer antes de dormir e chegar o domingo, que ning

Tudo a ver

E um PS em relação ao tópico imediatamente anterior. Ver é sempre entrever, ou seja, enxergar por entre, ter no campo de vista um pouco menos do que se pretende, que às vezes calha de ser o bastante, mas também acontece de ser bem pouco ou quase nada, ver menos do que é capaz ou aquém do que a gente quer e deseja quando enche o peito de vontade. Ver é ver-se dividido sempre, na visão e no ato, na visão porque ou nos vemos ou vemos os outros, no ato porque nunca abarcamos o presente e o ausente, o fundo e o além. É sempre essa matemática de corte, uma gramática de supressão, escolho como e onde e a quem quero ver e vejo o que não quero, tampouco quem e onde quero. É assim.

Dois tipos

Há dois tipos: Quando a gente acha que tem o que dizer mas mesmo assim não quer ou pretende dizer o que está para ser dito, mete-se a escrever e acaba dizendo por meio de subterfúgios, que é uma maneira burra de falar, mas esperta se você não quer que as pessoas entendam exatamente o que está sendo dito, apenas entrevejam. E tem essa outra maneira, que é basicamente não haver razão para dizer o que se vai dizer, ir descobrindo no caminho e gostando do que descobre, dando feição de coisa acabada, mas aí tudo se ilumina e o que parecia acabado ganha contornos surpreendentemente, como diria, sinuosos. Talvez haja mais do que dois tipos, é bem provável que sim, todavia, por limitação seja de inteligência, seja de tempo, as pessoas – eu, particularmente – tendo a me concentrar em dois. Duas situações arquetípicas. Ter e esconder e não ter e querer mostrar. Mas é bem provável que entre ambas esconda-se um mundo sobre o qual o máximo que sabemos é tão pequeno e insignificante

Salto

A amiga saltou, o amigo também. De repente, todos estavam saltando. Todos depois que todos os outros antes deles tinham saltado. Mas isso foi noutra época. Uma época em que se podia saltar em paz, sem ser atrapalhado por ninguém que atravessava a cidade de carro, mas também de bicicleta, para, depositando as coisas num cantinho, perguntar se alguém olhava e pá, pular do alto da ponte direto no mar. A falta de jeito era parte do charme. Afinal, ninguém antes dele ou antes dela tinha saltado da ponte. Ninguém com mestrado e doutorado. Ninguém que sabia ler com fluência textos em três idiomas havia saltado da ponte antes dele. E ele também queria. E saltou. E gostou do salto, que durou menos tempo do que a saudade que tinha quando estava em casa e não podia saltar. Durou tanto tempo que, enquanto saltava, no meio do desenho que o corpo vai fazendo no ar, esse arco meio torto, é verdade, pensou se já não seria tempo de voltar a dizer o que antes tinha medo de dizer. Enquanto caía,

O que dizer quando perguntarem se chove amanhã

Não acreditava que fosse, até que descobriu. Era. Correu à geladeira. Faltava. Ligou o telefone. Desligado. A TV. Fora do ar. A internet. Suspensa. O trânsito. Parado. O fluxo sanguíneo atrás da cabeça, apenas atrás da cabeça. Lá continuava tudo como antes, apenas que. Suspense. Foi à janela: aberta. Espiou a vizinha: vestida. Bateu à porta: seguiu-se o diálogo – oi, olá, tudo bem? posso lhe dizer algo? Já está dizendo  desde a batida na porta. A vizinha tinha humores como os de uma matrona qualquer, uma velha senhora que limpava a maçaneta e depois polia o fogão e beijava o azulejo do banheiro enquanto se masturbava. Não entendia a vizinha. Mas, quando viu, já era. Quando viu, já. Era. Quando. Viu que já era. Não acreditava que fosse, até descobrir que, antes de ser, tinha sido, e seria mesmo depois que ambos já não fossem, e o que parecia confuso, lido assim, entre idas e vindas, tinha a claridade de um relâmpago.  Era

Dicas

Dicas rápidas para quem está finalmente procurando o que quer que seja e não sabe por onde começar, se pelo fim ou começo, que vêm a ser coisas parecidas. Dicas sobre dicas de como a vida seria se em vez de tanto calor fizesse frio e se no lugar da distância houvesse nada mais que uma esquina para cruzar, dobrar, chegando-se em dois minutos ao outro lado. Dicas para quem quer perder, ganhar e perder, perder mais que ganhar, depois encontrar e ao cabo de alguns dias voltar a perder, mas agora aceitar que as coisas sempre foram assim e continuarão sendo por muito tempo ainda. Dicas, boas e ruins, de todas as qualidades, cores e tamanhos, dicas como as pessoas mais gostam na internet, dicas rápidas que podem ser usadas para tudo, em qualquer ocasião, a propósito de nada. Dicas quentes e frias, amargas e doces. Dicas do caralho a quatro. Basta ligar e pedir, é possível que as dicas cheguem mesmo antes do pedido. É possível que já estejam aí, em casa, atrás do sofá, basta olha