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Mostrando postagens de outubro 17, 2021

O ano que poderia ter sido um email

  Às vezes acontece de perceber que já é outubro e então pensar que mês que vem é novembro e daqui a pouco o ano acaba. Um ano que, sem prejuízo algum, poderia ter sido um email, uma mensagem protocolar trocada que nos dispensasse de atravessá-lo, de chegar ao descompasso derradeiro, acumulando mortos e contando a hora de passar a folha do calendário, fazendo valer a força do pensamento mágico de que logo tudo ficará bem porque os números se alteram numa contagem arbitrária cujo início já perdemos. Nesse email que seria 2021, trocaríamos informações sobre como proceder do modo mais seguro e sem atropelos para cada um, com o único objetivo de assegurar que o tempo escorresse e cruzássemos a linha de chegada sãos e salvos – talvez não tão sãos, mas pelo menos a salvo. Caso necessário, reenviaríamos o email, com ou sem anexos, informaríamos que, conforme o combinado, seguiria o texto tal e qual havíamos decidido, o roteiro do ano se desenrolando sem sobressaltos ou com o mínimo de surpres

Mara Hope

Volto à praia para uma volta de bicicleta depois de, sei lá, alguns meses, período no qual pensei que encontraria tudo mudado, o avesso da paisagem desfeita por máquinas, tratores e homens, o antigo apagado e o novo como que escrito por cima, sobrescrito, como se faz com texto no caderno de pauta da escola. Uma cidade que é eterna rasura, nela mal se escreve e já se apaga, de modo que as folhas estão sempre cheias de grafismos atrás de grafismos, do velho resta então o traço adivinhado na falta, o novo como a projeção de algo falhado. Uma geografia enviesada, torta, feita de areia remexida, os espigões recém-construídos e a quebra de mar avançada, distante, como aos poucos fossem empurrando a água ante o avanço dos prédios, que é como a lógica opera. A ressaca é do tijolo, da construção, não da maresia. O mar se encurta a pretexto de alargar faixa de chão para que banhistas e moradores tenham onde armar seu guarda-sol e os donos das varandas onde descansar a vista deitados nas redes. M