A visão da avó saindo da igreja em passos lentos, o vestido azul de que gostava, o impróprio do horário, às cinco da tarde, o pipoqueiro ao lado que não atinava para nada, tudo isso me fez desejar que a imagem fosse tão somente o que era: a projeção do corpo que não existia, o vestígio da existência, a poeira. A avó tinha morrido, eu sabia, todos sabiam, e aquela era a sua missa de corpo presente, a cerimônia da qual eu tinha saído porque não aguentava o cheiro de velas e os quadros da via-crúcis na parede, tampouco o perfume forte da tia Ofélia, que se aprontava mesmo para ir à esquina porque o amor podia bater à porta a qualquer instante, mesmo numa igreja de um bairro na periferia numa quinta-feira de janeiro de um ano qualquer. A avó não acenava, não olhava para nada fixamente, era mais como se estivesse esperando ou tentasse se fixar num ponto muito além do seu horizonte. Ela não me via, embora lançasse olhares em minha direção, eu não a via, ainda que eu estivesse lá e não no b
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)