Tenho medo de estar perdendo memória, não fatos ou coisas importantes, mas miudezas, o banal: um nome, uma historinha boba, uma trivialidade que antes vinha fácil e agora se esconde em algum lugar da cabeça.
Essa é a impressão que tenho, a de que brinco de pega-pega com palavras ou tempos, tento encontrá-los, ora consigo, ora não, e quando ocorre de sair à procura e voltar de mãos vazias, fico preocupado. Mas uma preocupação leve, que encaro como uma quase travessura, como se um diabrete qualquer estivesse pregando peças enquanto eu me permito enganar.
Outro dia, a caminho da aula de natação, esbarrei com um amigo da faculdade, a quem não via havia uns dez anos e chamei estupidamente de “amigo”, como quem cumprimenta um estranho numa parada de ônibus. Enquanto conversávamos, uma parte do meu cérebro promovia uma varredura nas memórias recentes enquanto outra parte se concentrava na conversa em si, respondendo o mais lentamente possível, de maneira a ganhar tempo, sem, contudo, aparentar confusão.
A luz apareceria apenas duas semanas depois, enquanto varria um canto da cozinha quando, num lampejo, tudo se iluminou, eu pronunciei baixo os dois nomes do colega.
O fato de que estivesse ocupado com tarefas do dia a dia, a cabeça descansada e sem obrigações senão essa de ajudar os membros superiores a recolher o lixo, me fez imaginar que, de agora em diante, tudo se passaria dessa maneira e lembrar de certas coisas seria uma operação involuntária, algo contra o que eu não poderia lutar, apenas aguardar pacientemente e então comemorar quando finalmente achasse, se achasse.
Então juntei cadernos e decidi anotar. Tudo. Comecei ontem. Palavras corriqueiras, datas, nomes, registros diários feitos com a finalidade de me auxiliar quando eu de fato precisar, como eu imagino que um dia talvez eu precise. Palavras ordinárias, mesa, sofá, banheiro, xampu, cabelo, jogo, almoço, panela, chuveiro, piscina, guarda-roupa, lençol e por aí vai.
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