Brincaram então que as costas seriam o quadro negro onde se registravam itinerários diversos, a caminhada na praia, a corrida de bicicleta, o tombo, as manchas do corpo recém-adquiridas de algum modo estranho que agora não lembra. Quando olha pra elas, é como se reconhecesse um rosto ao mesmo tempo familiar e estranho. Abertas, lisas ao longe mas imperfeitas se vistas de pertinho, com as pontas dos dedos, as costas serviriam a anotações, rascunhos e livro de presença, cartão de Natal e boletim da viagem que fariam para bem longe, ali perto. Guardadas e expostas, as costas reagiam ao toque ampliando-se, ao contrário da folha que se encolhe. Como o movimento de afastamento das placas que empurrou continentes para extremos do planeta quando a terra convulsionou e os bichos na superfície sequer tiveram tempo de escolher onde fincariam os pés, se do lado de lá ou de cá. As costas como um órgão ao alcance, uma ponte entre, zona erógena liberta, chão onde pisava e fazia castelo
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)