Brincaram então que as costas
seriam o quadro negro onde se registravam itinerários diversos, a caminhada na
praia, a corrida de bicicleta, o tombo, as manchas do corpo recém-adquiridas de
algum modo estranho que agora não lembra. Quando olha pra elas, é como se
reconhecesse um rosto ao mesmo tempo familiar e estranho.
Abertas, lisas ao
longe mas imperfeitas se vistas de pertinho, com as pontas dos dedos, as costas
serviriam a anotações, rascunhos e livro de presença, cartão de Natal e boletim
da viagem que fariam para bem longe, ali perto.
Guardadas e expostas, as
costas reagiam ao toque ampliando-se, ao contrário da folha que se encolhe.
Como o movimento de afastamento das placas que empurrou continentes para
extremos do planeta quando a terra convulsionou e os bichos na superfície
sequer tiveram tempo de escolher onde fincariam os pés, se do lado de lá ou de
cá.
As costas como um órgão ao
alcance, uma ponte entre, zona erógena liberta, chão onde pisava e fazia
castelos parecidos com os de menino na areia da praia.
Costas como barcos, fragatas
e jangadas no vento forte, fraco, indo e vindo no fim da tarde na Ponte Velha,
perto do cemitério de embarcações e dos espigões que criaram uma vaga, naco de
praia de não mais que vinte metros que agora funcionava como parque aquático
coletivo, sem brinquedos. Exceto o Mara Hope .
As costas estavam diante dos
olhos, riscadas, percorridas suavemente por um cheiro de hidratante e alguma
marca de protetor solar que se misturou a suor e fuligem no meio da rua enquanto
voltava pra casa veloz porque tinha esquecido uma planta em cima da geladeira.
De repente, parou pra pensar,
sem se importar com o absurdo: e se aquele jarro decidisse sozinho saltar? Não haveria ninguém em casa para impedir.