A mulher repetia: “É bom que haja demônios”. “De modo que possamos espantá-los”, continuava, a voz acusando profecia. “Mandá-los para bem longe ou, gesto mais amoroso que ousado, trazê-los para bem perto.” Disseram que a mãe herdou da vovó esse jeito enigmático, vezo sempre presente na hora do almoço, quando deitava falação. Vovó foi embora há dois anos. Morte arrastada, sofrida, contagiosa. Já perto do fim, assistida por uma enfermeira gorda cujo único divertimento era rever as temporadas de Friends , passou a anunciar descobertas científicas a cada rodada medicamentosa. Nos delírios de velha moribunda, garantia que os maias estavam redondamente enganados, que a luz tinha tripla manifestação física e que, ao invés de se expandir, o universo se contraía. “O mundo está encolhendo, meu filho.” Jamais duvidei. Uma das histórias que contou à mãe foi que demônios não são essas entidades esquivas, malignas, habitantes de uma faixa orbital evanescente, oposta a uma mais concreta, real. Criatu
HENRIQUE ARAÚJO (https://tinyletter.com/Oskarsays)