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Mostrando postagens de setembro 26, 2017

Erosão

Enquanto pedia pra fechar as cortinas expliquei que tinha sensibilidade à luz, que sempre escolhia a penumbra, que sentava na mesa do café da livraria e dizia imediatamente à atendente que desligasse a lâmpada, assim ficaria melhor.  Isso mesmo, sem esse foco de luminosidade apontado pro meu rosto, depois um café e em seguida a conta, as outras mesas ocupadas por um homem digitando no computador, uma mulher à espera, um homem olhando pro relógio de tempos em tempos, alguém dando lições de inglês para três estudantes, um gerente explicando noções de atendimento a uma jovem, uma senhora de cabelos brancos curtos e olhos claros voltados diretamente pra mim como se adivinhasse as razões pelas quais tinha acabado de pedir que desligassem a luz. E então o quarto escureceu e eu rolei pro lado e nos abraçamos, rostos agora ajustando-se à falta de luz. Mas e quando sai de bicicleta? É o único momento do dia, acho que faço de propósito, muita luz, muito sol, o mar, tudo é excesso

Mãe Jussara

Tenho um recorte de jornal nas mãos, mas não sei o que fazer com ele. É um pedaço da Mãe Jussara, um trecho de aconselhamento amoroso, gênero clássico nos folhetins. Nele a cartomante, não sei se posso chamar assim, sugere a uma mulher que encare o fim do relacionamento com naturalidade. E conclui: você ainda será muito feliz. Não recomenda consulta a astros, tampouco receita mandingas para trazer o homem de volta à casa. Apenas joga a real: o amor acabou. Seja corajosa e mude tudo ao seu redor. Não há como recuperar o que foi perdido. Será melhor assim. E fim de papo. Eu não costumo guardar papéis, sequer minhas colunas guardo mais. Vão todas pro lixo, todas acumuladas em pilhas no quarto dos fundos que depois serão recolhidas pelo porteiro da noite e entregues a um catador de material reciclável. Mas esse pedaço eu guardei. Estava dobrado como um recadinho enviado por alguém do futuro. Na minha estante, atrás de um livro, perto de um Pynchon e de ‘Nossas noites’, conven

Fim adiado

Sobrevivemos. O mundo não acabou. Continuamos aqui exatamente como antes, acordamos e dormimos e o mundo permaneceu ou nós permanecemos nele enquanto tudo se esgota às prestações. De uma forma ou de outra, não houve esse fim teatral, o encerramento abrupto das atividades, a suspensão irrevogável da vida como a conhecemos nos filmes. Houve o dia seguinte, e talvez essa seja a maneira mais cruel de dizer que termina. O dia posterior, com seus ritos de normalização. Depois do fim, eu acordei e pus café na xícara e recebi dois pacotes pelos Correios. Abri esses pacotes. Eram livros. Quatro. Todos queridos, todos adiáveis, livros sobre os quais pretendo falar em algum momento, mas não livros urgentes. Ou talvez não sejam urgentes apenas agora, quando olho pra vida e ela perde ênfase. A vida sem ênfase. Como num poema ao contrário, triste das coisas consideradas sem importância ou algo parecido. Acho que foi Drummond que falou isso. O fato é que precisamente essa famíli