A amiga
saltou, o amigo também. De repente, todos estavam saltando. Todos depois que
todos os outros antes deles tinham saltado. Mas isso foi noutra época. Uma época
em que se podia saltar em paz, sem ser atrapalhado por ninguém que atravessava
a cidade de carro, mas também de bicicleta, para, depositando as coisas num
cantinho, perguntar se alguém olhava e pá, pular do alto da ponte direto no
mar. A falta de jeito era parte do charme. Afinal, ninguém antes dele ou antes
dela tinha saltado da ponte. Ninguém com mestrado e doutorado. Ninguém que sabia
ler com fluência textos em três idiomas havia saltado da ponte antes dele. E
ele também queria. E saltou. E gostou do salto, que durou menos tempo do que a saudade que tinha quando estava em casa e não podia saltar. Durou tanto tempo
que, enquanto saltava, no meio do desenho que o corpo vai fazendo no ar, esse
arco meio torto, é verdade, pensou se já não seria tempo de voltar a dizer o
que antes tinha medo de dizer. Enquanto caía, nessa trajetória errada de pulo
que, no final, acaba dando certo, considerou a possibilidade de ao menos uma
vez estar diante dele ou diante dela e oferecer algo além de um sorriso atrás
do qual se escondia como um bicho numa touceira no meio do mato. Pensou que
podia, sim, mas aí já tinha caído e mergulhado e agora as bolhas e os sons se
misturavam ao barulho do zumbido e à ardência nas pernas e braços. Agora ele
também tinha saltado. Podia dizer. Eu pulei. E foi bom. Gostei. Saltou tantas
vezes naquela tarde que voltou pra casa achando um erro da evolução termos
ficado de pé muitos anos atrás e, antes disso, termos deixado a água, que é
realmente o melhor lugar do mundo. Na água ninguém sente que precisa saltar
para chegar a qualquer lugar.
Vista de longe, em seu desenho irregular e mortiço, a mancha parecia extravagante, extraterrestre, transplantada, algo que houvesse pousado na calada da noite ou se infiltrado nas águas caídas das nuvens, como chuva ou criatura semelhante à de um filme de ficção científica. Mas não era. Subproduto do que é secretado por meio das ligações oficiais e clandestinas que conectam banheiros ao litoral, tudo formando uma rede subterrânea por onde o que não queremos nem podemos ver, aquilo que agride os códigos de civilidade e que é vertido bueiro adentro – o rejeito dos trabalhos do corpo –, ganha em nossos encanamentos urbanos uma destinação quase mágica, no fluxo em busca de um sumidouro dentro do qual se esvaia. A matéria orgânica canalizada e despejada a céu aberto, lançada ao mar feito embarcação mal-cheirosa, ganhando forma escura no cartão-postal recém-requalificado e novamente aterrado e aterrador para banhistas, tanto pela desformosura quanto pelos riscos à saúde. Não me detenho na es