E pensou então que todo
acidente tinha essa dimensão da palavra, que afetava um modo de dizer, de se
referir, que tudo acontecia e imediatamente ganhava essa camada de linguagem.
Talvez enquanto acontecesse.
Agora mesmo, por exemplo,
via-se como um desses acidentados numa maca no corredor à espera de cuidados,
um tratamento que fosse, qualquer ampola de analgésico, mas o fenômeno que o
abatera não tinha nome. A dor era a dor sem nome, a agonia sequer podia
chamar-se porque lhe faltava o básico: a letra que pacifica o dito, o dito que
confere carnalidade a uma coisa vazia.
L sabia disso tanto quanto
eu, sabia que o mero fato de dizer acidente a algo que parecia mais um
ataque carregava um mundo de sentidos e disputas. Sabia que não se tratava de
amor ou casualidade, era um ato de violência.
O jeito bruto de chamar o
fenômeno por si. Como quando se cai. O jeito de lamber as feridas, expô-las ao
tempo para que fechem, olhar o corpo e chamar à conversa cada pedaço em avaria,
cada membro sem uso agora, cada parte cansada de uma guerra perdida,
tristemente perdida.
Era assim que tentava classificar o tumulto dos dias, um pós-guerra solar, vento e luminosidade encobrindo tudo que havia de triste e lacerado.
Era assim que tentava classificar o tumulto dos dias, um pós-guerra solar, vento e luminosidade encobrindo tudo que havia de triste e lacerado.
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