Penso em desistir da
bicicleta e de andar contra o vento e fico surpreso com a facilidade com que abraço essa ideia. Às vezes teorizamos sobre as bravuras, pessoas cuja força as empurra sempre adiante, e deixamos de lado as que, sem temor, recuam, apenas. Ficam pra trás, quedam e se dão por satisfeitas, inventam uma forma de vida no fracasso.
Não é inglório nem vergonhoso. Um castelo de pequenas derrotas também é um castelo. E há mesmo certo conforto na distância. Assumir um lugar longe de si mesmo, manter-se a salvo de tudo que é risco afastando-se o mais possível.
Como um bicho que já não alimenta qualquer ansiedade. Quer somente que os dias passem porque o momento sequer é um momento. O momento agora é feito esse fluxo de um tempo que foi abolido. Um típico platô. Andamos, subimos, descemos e subimos outra vez, uma trajetória extenuante finda a qual atingimos esse ponto aonde chegamos cansados. E agora nos perguntamos o que diabos fomos fazer ali.
Queremos descer, mas descer não convém. Continuar tampouco é seguro, ficar também não. O mais correto seria desaparecer, simplesmente. Não haver, não existir, estalar os dedos e pronto: está feito o desfeito.
Desistir de procurar, só. E se houver encontro, que seja como o de alguém que tropeça na calçada e acha uma moeda antiga, rara, que encaixa na sua mão e ele a coloca no bolso. Um amor ao acaso.
Foi mais ou menos desse modo que encontrei o homem. Estava empoleirado na máquina uniformizando a areia da praia. Passo todos os dias naquele trecho da orla da cidade e nunca havia reparado que ele fica ali sentado, indo e voltando. Quando muito para e espera à sombra de coqueiro-anão. Bebe água de uma garrafa e dorme depois do almoço, após o qual retoma o trabalho.
Que consiste basicamente em pentear as centenas de milhares de grãos de areia e deixar a faixa de praia lisinha. Como quem pusesse alguma ordem no caos. Como quem arrumasse caprichosamente a colcha da cama depois do sexo. Lençóis repuxados, almofadas atiradas ao chão, roupas de baixo e de cima enroladas. Uma calcinha enrodilhada. Uma cueca sobre o par de sapatos descalços.
Não é inglório nem vergonhoso. Um castelo de pequenas derrotas também é um castelo. E há mesmo certo conforto na distância. Assumir um lugar longe de si mesmo, manter-se a salvo de tudo que é risco afastando-se o mais possível.
Como um bicho que já não alimenta qualquer ansiedade. Quer somente que os dias passem porque o momento sequer é um momento. O momento agora é feito esse fluxo de um tempo que foi abolido. Um típico platô. Andamos, subimos, descemos e subimos outra vez, uma trajetória extenuante finda a qual atingimos esse ponto aonde chegamos cansados. E agora nos perguntamos o que diabos fomos fazer ali.
Queremos descer, mas descer não convém. Continuar tampouco é seguro, ficar também não. O mais correto seria desaparecer, simplesmente. Não haver, não existir, estalar os dedos e pronto: está feito o desfeito.
Desistir de procurar, só. E se houver encontro, que seja como o de alguém que tropeça na calçada e acha uma moeda antiga, rara, que encaixa na sua mão e ele a coloca no bolso. Um amor ao acaso.
Foi mais ou menos desse modo que encontrei o homem. Estava empoleirado na máquina uniformizando a areia da praia. Passo todos os dias naquele trecho da orla da cidade e nunca havia reparado que ele fica ali sentado, indo e voltando. Quando muito para e espera à sombra de coqueiro-anão. Bebe água de uma garrafa e dorme depois do almoço, após o qual retoma o trabalho.
Que consiste basicamente em pentear as centenas de milhares de grãos de areia e deixar a faixa de praia lisinha. Como quem pusesse alguma ordem no caos. Como quem arrumasse caprichosamente a colcha da cama depois do sexo. Lençóis repuxados, almofadas atiradas ao chão, roupas de baixo e de cima enroladas. Uma calcinha enrodilhada. Uma cueca sobre o par de sapatos descalços.
Esse é o emprego dos
sonhos, pensei enquanto desmontava da bicicleta. Ir e vir sem me preocupar com nada, exceto deixar o volume inifito de areia sem ondulações, aplainando as depressões, eliminando rugosidades. Negando as aparências e disfarçando as evidências.
É uma tarefa borgiana.
O prazer de olhar pra trás e enxergar não o rastro de imperfeições, mas o branco da praia sem marcas de corpos que estiveram deitados ali por muito tempo durante a noite e o dia. Nenhum vinco, uma praia que ninguém houvesse tocado, apenas o vento, a chuva, o sol. E, agora, a lâmina que apara e reduz tudo à hierarquia do mesmo, um gesto que repõe o que está fora do lugar.
Esse era seu desafio, que o homem cumpria com zelo, um senso de dever e empenho inigualáveis.
Imaginei estar nessa praia como alguém que desse tratos numa folha de papel antes de começar a escrever uma nova história.
É uma tarefa borgiana.
O prazer de olhar pra trás e enxergar não o rastro de imperfeições, mas o branco da praia sem marcas de corpos que estiveram deitados ali por muito tempo durante a noite e o dia. Nenhum vinco, uma praia que ninguém houvesse tocado, apenas o vento, a chuva, o sol. E, agora, a lâmina que apara e reduz tudo à hierarquia do mesmo, um gesto que repõe o que está fora do lugar.
Esse era seu desafio, que o homem cumpria com zelo, um senso de dever e empenho inigualáveis.
Imaginei estar nessa praia como alguém que desse tratos numa folha de papel antes de começar a escrever uma nova história.
Invejo sua força para ir e voltar repetidamente, quantas vezes forem necessárias ao longo de um turno, talvez praguejando silenciosamente, resistindo ao impulso de saltar e, uma vez na areia, desfazer todo o trabalho.
Dançar na lisura da superfície, profanar aquela perfeição inumana, sapatear e deitar, chafurdar até que tudo seja uma algaravia, o próprio corpo multiplicado por dezenas. E, ao final, escrever seu nome.
Invejo a ingenuidade de acreditar que é possível escapar dos acidentes e seguir em frente, numa trajetória paralela. Como um homem a quem houvessem pedido que passasse o restante dos seus dias traçando linhas em ziguezague na areia sem jamais mergulhar no mar.
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