O dia certo, o dia certo para errar e mesmo desejando fazer girar o trinco da porta do banheiro ou entrar por acaso no quarto e protegendo os olhos contra a luminosidade incandescente das horas enxutas desmanchar aquele bolo de roupas sujas e encontrar nele uma chave.
A mesma chave que abre a porta secreta escondida atrás do guarda-roupa. É lá que costuma encerrar os arcanos domésticos, é para lá que se dirige sempre que algum disco-voador dispara raios. Feito pássaros de fogo, feito andorinhas nucleares, esses raios o perseguem dia e noite, noite e dia, e mesmo que haja levado a vida inteira ensaiando passos e discursos não há saída.
Quase nunca há saída, conclui enquanto do outro lado da mesa ela mastiga uma folha de alface e sorri luzidia.
Assim, resta a porta, que ele abre febrilmente. Deitada na cama ela finge dormir mas olha de longe, longe, longe, confundindo o personagem sorrateiro com o mesmo coelho branco que promove estripulias no reino encantado de Alice, mas ela sabe ainda que sonolenta, ainda que os caminhos desertos a tenham levado para muito além das montanhas mágicas, ela sabe, entre eles não há nada, entre eles há tantos vínculos quanto há entre o personagem sorrateiro e uma máquina digital de 15 megapixels.
Ou entre ele e um homem normal.
Forçada, a porta abre, forçada ela cede e mesmo fazendo escuro, mesmo não havendo qualquer sinal luminoso ou trilha feita com pedaços de miolo de pão ou doces ou caroços de feijão, contra esses prognósticos assombrosos ele entra e se enfia e distrai e caminha lentamente experimentando a textura das paredes do corredor que sai da porta escondida atrás do guarda-roupa, exatamente ao lado da portinhola onde ela ontem ainda disse mantenha sempre esse lado bem organizado.
Era o lado das camisas de mangas longas. Era o lado burocrático.
Como respeitasse as camisas, ele caminhou decidido até o final do corredor. Lá, viu o que procurava: uma silhueta. Não havia surpresa ou folia ou redenção, não havia o que quer que se parecesse com êxtase, estupor, desagravo. Havia apenas a silhueta, tudo que queria, uma idéia, uma sugestão, nada concreto, material, mas o sonho, o desejo distante. Havia nada além disso.
De modo que sem pensar duas ou três vezes deu marcha à ré. O caminho de volta é sempre mais escuro, considerou enquanto tateava as pedras que não havia percebido do lado direito.
Nem do esquerdo, lembraria dali a dias.
A mesma chave que abre a porta secreta escondida atrás do guarda-roupa. É lá que costuma encerrar os arcanos domésticos, é para lá que se dirige sempre que algum disco-voador dispara raios. Feito pássaros de fogo, feito andorinhas nucleares, esses raios o perseguem dia e noite, noite e dia, e mesmo que haja levado a vida inteira ensaiando passos e discursos não há saída.
Quase nunca há saída, conclui enquanto do outro lado da mesa ela mastiga uma folha de alface e sorri luzidia.
Assim, resta a porta, que ele abre febrilmente. Deitada na cama ela finge dormir mas olha de longe, longe, longe, confundindo o personagem sorrateiro com o mesmo coelho branco que promove estripulias no reino encantado de Alice, mas ela sabe ainda que sonolenta, ainda que os caminhos desertos a tenham levado para muito além das montanhas mágicas, ela sabe, entre eles não há nada, entre eles há tantos vínculos quanto há entre o personagem sorrateiro e uma máquina digital de 15 megapixels.
Ou entre ele e um homem normal.
Forçada, a porta abre, forçada ela cede e mesmo fazendo escuro, mesmo não havendo qualquer sinal luminoso ou trilha feita com pedaços de miolo de pão ou doces ou caroços de feijão, contra esses prognósticos assombrosos ele entra e se enfia e distrai e caminha lentamente experimentando a textura das paredes do corredor que sai da porta escondida atrás do guarda-roupa, exatamente ao lado da portinhola onde ela ontem ainda disse mantenha sempre esse lado bem organizado.
Era o lado das camisas de mangas longas. Era o lado burocrático.
Como respeitasse as camisas, ele caminhou decidido até o final do corredor. Lá, viu o que procurava: uma silhueta. Não havia surpresa ou folia ou redenção, não havia o que quer que se parecesse com êxtase, estupor, desagravo. Havia apenas a silhueta, tudo que queria, uma idéia, uma sugestão, nada concreto, material, mas o sonho, o desejo distante. Havia nada além disso.
De modo que sem pensar duas ou três vezes deu marcha à ré. O caminho de volta é sempre mais escuro, considerou enquanto tateava as pedras que não havia percebido do lado direito.
Nem do esquerdo, lembraria dali a dias.
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