Uma casa se divide em duas partes: a cozinha e o resto. Tudo assume contornos diferentes quando temos por companhia fogões, geladeiras, panelas, rodinhos de pia e uma mesinha de fórmica habitada por garrafa de café e cesta de pão.
O mundo não é visto do mesmo jeito quando visto da cozinha. As pessoas não são as mesmas quando estão a conversar ou discutir na cozinha. Uma súbita intimidade se apodera, os freios afrouxam, os laços ganham viço. O sisudo cede ao riso, o mais tranquilo alteia a voz, o risonho experimenta a introspecção.
Não é que os papéis se invertam nem as máscaras caiam. É que a cozinha tem lógica contrária à da alcova. Se nesta os segredos são mantidos a sete chaves, naquela o exercício mais frequente é o de propagar. Se numa o jogo dá-se normalmente entre pares de amantes, noutra a rede amplia-se, envolvendo players de todas as espécies, sabores e taras.
Diferente do tempo da sala, onde impera a TV; do quarto, onde nos estiramos à maneira preguiçosa dos gatos; da varanda, um tipo de Suíça do espaço doméstico que convida à interação social mais amena - diferente de todos os cômodos da casa, a cozinha premia com sensações e gostos que talvez nem suspeitássemos existir antes de colocar os pés ali. E são justamente esses cheiros os responsáveis por torná-la especial.
Daí que seja infeliz uma pessoa que não consiga estabelecer com esse lugar um afeto que ultrapasse o caráter amistoso que tem com despensas, closets e guarda-roupas embutidos. A cozinha merece mais.
Afinal, são os odores de lá que distinguem uma casa de outra. Um apartamento tem cheiro de eletroeletrônico, outro de vitamina de abacate, um terceiro de meia suja, um quarto de roupa abafada, um quinto de pipoca, um sexto de velhos definhando, um sétimo de casal (compreendidas todas as variações que o termo permite) entretido com as cavidades do outro.
Uma infinidade de moradias se reconhece na massa de concreto dos condomínios não porque tenha 50 m² ou 120 m² nem porque seus proprietários ganham acima ou abaixo dos cinco mil mensais.
O fator distintivo preponderante é o cheiro.
Os mesmos que se misturam a tudo, enodoando superfícies e formando camadas de gordura, salpicando toalhas e impregnando vestidos. Porque se há uma única verdade sobre o mundo privado, é que da cozinha não se sai com o mesmo cheiro com que se entrou.
O mundo não é visto do mesmo jeito quando visto da cozinha. As pessoas não são as mesmas quando estão a conversar ou discutir na cozinha. Uma súbita intimidade se apodera, os freios afrouxam, os laços ganham viço. O sisudo cede ao riso, o mais tranquilo alteia a voz, o risonho experimenta a introspecção.
Não é que os papéis se invertam nem as máscaras caiam. É que a cozinha tem lógica contrária à da alcova. Se nesta os segredos são mantidos a sete chaves, naquela o exercício mais frequente é o de propagar. Se numa o jogo dá-se normalmente entre pares de amantes, noutra a rede amplia-se, envolvendo players de todas as espécies, sabores e taras.
Diferente do tempo da sala, onde impera a TV; do quarto, onde nos estiramos à maneira preguiçosa dos gatos; da varanda, um tipo de Suíça do espaço doméstico que convida à interação social mais amena - diferente de todos os cômodos da casa, a cozinha premia com sensações e gostos que talvez nem suspeitássemos existir antes de colocar os pés ali. E são justamente esses cheiros os responsáveis por torná-la especial.
Daí que seja infeliz uma pessoa que não consiga estabelecer com esse lugar um afeto que ultrapasse o caráter amistoso que tem com despensas, closets e guarda-roupas embutidos. A cozinha merece mais.
Afinal, são os odores de lá que distinguem uma casa de outra. Um apartamento tem cheiro de eletroeletrônico, outro de vitamina de abacate, um terceiro de meia suja, um quarto de roupa abafada, um quinto de pipoca, um sexto de velhos definhando, um sétimo de casal (compreendidas todas as variações que o termo permite) entretido com as cavidades do outro.
Uma infinidade de moradias se reconhece na massa de concreto dos condomínios não porque tenha 50 m² ou 120 m² nem porque seus proprietários ganham acima ou abaixo dos cinco mil mensais.
O fator distintivo preponderante é o cheiro.
Os mesmos que se misturam a tudo, enodoando superfícies e formando camadas de gordura, salpicando toalhas e impregnando vestidos. Porque se há uma única verdade sobre o mundo privado, é que da cozinha não se sai com o mesmo cheiro com que se entrou.
E isso, meus caros e minhas caras, faz toda a diferença do mundo.