Era assim uma noite em que os meninos brincavam como sempre na esquina. E as meninas, sentadas, olhavam o tempo passar na rua enquanto as velhas e velhos iam e vinham atrás dos meninos, porque as meninas não despertam nunca a menor preocupação. Ficam só sentadas, pernas cruzadas, imitação de suas mães. A diferença é que elas procuram namorados que sejam a cara do vocalista do NXZero, e as suas mães só querem mesmo saber se a cebola tem um bom aspecto ou se o leite fervido azedou de ontem pra hoje. E se a reprise da novela vai mesmo acontecer ou tudo não passa de um boato plantado no programa do João Inácio Jr.
Do outro lado, na outra esquina, noutra perna da galáxia e numa freqüência absolutamente distinta, os meninos descalços, vinte ao todo, tem dias em que o número dobra e outros em que cai pela metade, mas sempre alguém na esquina, descalços e suarentos, se divertem, chafurdam com uma bola encardida, fazem do poste a trave, da risca de giz no muro outra trave e do churrasqueiro o juiz, mas ele se entrete na venda e os lances faltosos, agressivos e claramente catimbeiros se sucedem. A partida, todavia, segue a despeito, a despeito mesmo das trombadas mil. Os meninos saem atropelando-se uns aos outros e berrando e abreviando a vida das velhinhas que sequer têm filhos ou netos com que se preocupar, mas sentam todas as tardes na calçada, bem do lado da sombra, ao lado das gaiolas dos passarinhos que o homem de tatuagem azulada empoleira diariamente no muro do condomínio vizinho. Quer dizer, as velhinhas põem as cadeiras nas calçadas e se danam a conversar, esfiapam o tempo, vão e vêm na máquina futurista da memória e apesar de bem velhas não se esquecem da primeira surra, do primeiro beijo nem do segundo se duvidar. Dos namorados? Não tenho certeza. Da vida besta? Menos ainda.
Sentadas, as meninas refletem sobre a puberdade. Escutam o corpo, os meninos torcem tornozelos e esfolam os dedos, elas cantam canções bobas de amores que se perdem aos onze, doze anos e provocam as dores mais indizíveis e os danos mais irreparáveis de uma vida toda. Elas, elas sequer desconfiam de que as coisas mudarão em pouquíssimo tempo. Os amores continuarão sempre e sempre a ir embora, mas, dentro de cinco ou mais anos, os meninos terão largado o jogo de futebol e passado a se interessar pelo que elas têm a dar, que, dependendo da rua e da menina, também varia.
Até que tudo volta a ser o que era antes: meninas sentadas nas calçadas, pensando na vida de antes, ensaio para os anos de velhice, e meninos na esquina, atrás de bola. Ambos se encontram em casa, na hora do jantar. Ou nem isso. O homem demora-se no baralho da esquina, a mulher enche-se e vai paquerar na feirinha de artesanato da praça em frente à igreja. Deixa o menino na vizinha e o prato de comida em cima do fogão.
Do outro lado, na outra esquina, noutra perna da galáxia e numa freqüência absolutamente distinta, os meninos descalços, vinte ao todo, tem dias em que o número dobra e outros em que cai pela metade, mas sempre alguém na esquina, descalços e suarentos, se divertem, chafurdam com uma bola encardida, fazem do poste a trave, da risca de giz no muro outra trave e do churrasqueiro o juiz, mas ele se entrete na venda e os lances faltosos, agressivos e claramente catimbeiros se sucedem. A partida, todavia, segue a despeito, a despeito mesmo das trombadas mil. Os meninos saem atropelando-se uns aos outros e berrando e abreviando a vida das velhinhas que sequer têm filhos ou netos com que se preocupar, mas sentam todas as tardes na calçada, bem do lado da sombra, ao lado das gaiolas dos passarinhos que o homem de tatuagem azulada empoleira diariamente no muro do condomínio vizinho. Quer dizer, as velhinhas põem as cadeiras nas calçadas e se danam a conversar, esfiapam o tempo, vão e vêm na máquina futurista da memória e apesar de bem velhas não se esquecem da primeira surra, do primeiro beijo nem do segundo se duvidar. Dos namorados? Não tenho certeza. Da vida besta? Menos ainda.
Sentadas, as meninas refletem sobre a puberdade. Escutam o corpo, os meninos torcem tornozelos e esfolam os dedos, elas cantam canções bobas de amores que se perdem aos onze, doze anos e provocam as dores mais indizíveis e os danos mais irreparáveis de uma vida toda. Elas, elas sequer desconfiam de que as coisas mudarão em pouquíssimo tempo. Os amores continuarão sempre e sempre a ir embora, mas, dentro de cinco ou mais anos, os meninos terão largado o jogo de futebol e passado a se interessar pelo que elas têm a dar, que, dependendo da rua e da menina, também varia.
Até que tudo volta a ser o que era antes: meninas sentadas nas calçadas, pensando na vida de antes, ensaio para os anos de velhice, e meninos na esquina, atrás de bola. Ambos se encontram em casa, na hora do jantar. Ou nem isso. O homem demora-se no baralho da esquina, a mulher enche-se e vai paquerar na feirinha de artesanato da praça em frente à igreja. Deixa o menino na vizinha e o prato de comida em cima do fogão.
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