Estive sentado nas últimas cento e cinqüenta horas lendo e relendo a carta que você deixou em cima da mesa da cozinha. Não sei o que dizer. Simplesmente acho tudo isso disparatado demais, louco demais pra dizer qualquer coisa e esperar docemente que ela faça algum sentido e que com isso você passe a encarar tudo de um modo diferente, menos espantado talvez.
Não, eu não sou assim. Não espere que eu faça isso ou que deixe de me angustiar exatamente porque não me angustiando você também não se angustia. Sem angústia, ambos nos contentamos. Contentes, nos conformamos os dois com as noites de quinta-feira e os jantares na casa de comida japonesa. E as idas ao shopping e ao samba e ao Natal na casa dos meus pais e em seguida na casa dos seus porque nossas famílias não se misturam. E isso eu, Carlos, não quero mais.
Não...
Tudo que você diz aqui... As coisas... Eu tentei juntar algumas peças ao longo desse tempo, usar um pouco meu lado mais frio, mais racional e entender os seus motivos... As suas razões. Eu tenho hipóteses, sim. Tenho alguns esboços de explicação. Mas adianto que nada até agora me satisfez inteiramente. Eu continuo não aceitando...
Claro, é problema meu mesmo... Não digo o contrário. Não, ela foi dormir na casa da Maria Isabela. Eu que pedi. Queria ficar sozinho com a carta. Isso foi há cento e cinqüenta horas. A minha barba ainda estava rala, minhas unhas mais curtas, meu hálito menos agressivo. Meus olhos não doíam tanto.
Não me masturbei uma única vez. Mesmo sozinho.
Até pensei, mas não tive coragem de ir até lá e encarar a menina. Eu a olharia com que cara, me responde? Me responde!
Não precisa sentar e ficar aqui com essa cara. Não vou pedir pra você explicar nada. Aceito tudo, o dito e o não dito, o que talvez tenha acontecido e o que eu possa vir a imaginar que aconteceu, as palavras escritas num papel vagabundo e as melosas deixadas naquele cartão de aniversário e também na contracapa do último livro que você me deu. Aceito qualquer coisa, a essa altura não tenho mais restrições quanto a absolutamente nada. Posso estar aqui sentado metido nessa roupa imunda ou na rua, deitado sob a marquise de um McDonald’s. Tanto faz...
Acho que me tornei uma pessoa melhor.
A carta estava aberta quando cheguei aqui, a casa estava vazia. A menina não tinha chegado da escola. Eu tinha alguns minutos pela frente. Logo quando entrei na cozinha passei por ela sem dar muita atenção. Só depois a coisa olhou pra mim com olhos de absurdo.
Mesmo sem nunca ter recebido uma carta, só achei que fosse aquilo que, de fato, é: uma carta. Endereçada a mim, sim.
Você era a destinatária. Só fiquei gelado depois de ver o seu nome e, em seguida, ficar sabendo que você viria. Como veio, aliás.
Não... Isso não.
Não, eu não sou assim. Não espere que eu faça isso ou que deixe de me angustiar exatamente porque não me angustiando você também não se angustia. Sem angústia, ambos nos contentamos. Contentes, nos conformamos os dois com as noites de quinta-feira e os jantares na casa de comida japonesa. E as idas ao shopping e ao samba e ao Natal na casa dos meus pais e em seguida na casa dos seus porque nossas famílias não se misturam. E isso eu, Carlos, não quero mais.
Não...
Tudo que você diz aqui... As coisas... Eu tentei juntar algumas peças ao longo desse tempo, usar um pouco meu lado mais frio, mais racional e entender os seus motivos... As suas razões. Eu tenho hipóteses, sim. Tenho alguns esboços de explicação. Mas adianto que nada até agora me satisfez inteiramente. Eu continuo não aceitando...
Claro, é problema meu mesmo... Não digo o contrário. Não, ela foi dormir na casa da Maria Isabela. Eu que pedi. Queria ficar sozinho com a carta. Isso foi há cento e cinqüenta horas. A minha barba ainda estava rala, minhas unhas mais curtas, meu hálito menos agressivo. Meus olhos não doíam tanto.
Não me masturbei uma única vez. Mesmo sozinho.
Até pensei, mas não tive coragem de ir até lá e encarar a menina. Eu a olharia com que cara, me responde? Me responde!
Não precisa sentar e ficar aqui com essa cara. Não vou pedir pra você explicar nada. Aceito tudo, o dito e o não dito, o que talvez tenha acontecido e o que eu possa vir a imaginar que aconteceu, as palavras escritas num papel vagabundo e as melosas deixadas naquele cartão de aniversário e também na contracapa do último livro que você me deu. Aceito qualquer coisa, a essa altura não tenho mais restrições quanto a absolutamente nada. Posso estar aqui sentado metido nessa roupa imunda ou na rua, deitado sob a marquise de um McDonald’s. Tanto faz...
Acho que me tornei uma pessoa melhor.
A carta estava aberta quando cheguei aqui, a casa estava vazia. A menina não tinha chegado da escola. Eu tinha alguns minutos pela frente. Logo quando entrei na cozinha passei por ela sem dar muita atenção. Só depois a coisa olhou pra mim com olhos de absurdo.
Mesmo sem nunca ter recebido uma carta, só achei que fosse aquilo que, de fato, é: uma carta. Endereçada a mim, sim.
Você era a destinatária. Só fiquei gelado depois de ver o seu nome e, em seguida, ficar sabendo que você viria. Como veio, aliás.
Não... Isso não.
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