Nota 1
Uma experiência na cozinha. Acender
o fogo, preparar a comida e ligar a música. Depois ouvir a música enquanto
espera a comida. O tempo do cozimento, que não é o tempo da música, transcorrendo
no compasso de outro tempo. Nenhum o tempo de que precisa para que passe.
Nota 2
Andou de bicicleta e esqueceu a
bicicleta. Pendurou-a no gancho do estacionamento do trabalho dois dias atrás e
não voltou para buscá-la. Esquecimento. Todos os dias, ao sair do jornal,
pergunta ao porteiro se a bicicleta ainda está lá. É minha, diz. Amanhã
voltarei para vir pegar. Vai até o gancho. Ela ainda está lá. Depois segue a pé,
novo modo de se deslocar. Andar. Estar à toa na calçada mastigando pensamentos.
Nota 3
Fim de tarde. O dia consumido como num sonho, as horas sem conexão, e no
entanto, uns pontos e vírgulas depois, amontoa frases e costura orações como
quem entrega ao freguês um trabalho que não lhe toma nem tempo nem energia. Apura
os ouvidos. Sons de pássaros, carros que voam, o estrepitoso barulho da vida em
ritual que se desenrolava debaixo da janela enquanto estivera entretido com o
passar do tempo. O rito da carne.
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