O repertório do novo impõe desafios. É sempre
assim, uma nebulosa de cheiros e sons e ações que difere em quase tudo da
anterior, familiar, plenamente doméstica, já quase naturalizada, parte da
rotina, inconfundível.
A rotina, como todo mundo sabe, é o lugar
da ambivalência, da tensão latente e das pequenas mudanças. É nela que se entreveem
as primeiras fissuras, as crises miúdas que anunciam o pior ou o melhor.
Com o velho, se foram o tilintar dos
talheres na pia vizinha, os passos que se demoravam no comprido da passarela, o
corrimão ondulando a cada batida da chave, o vento na janela do quarto, os gatos
empoleirados etc. Há outra janela pra outra paisagem.
Mudando a paisagem, o que muda? É olhando
por ela que vem o pensamento: persiste em qualquer mudança no espaço ou no
tempo uma camada – imaginar tudo em camadas é visualmente mais simples e
didático – que não se desloca, logo fixa, logo permanente.
Reconhecer cada pedaço estranho de um lugar
ou de alguém é principalmente conectar a estranheza ao repertório do velho,
vincular o não vivido ao antigo, encontrar pontos de contato entre
experiências, num trabalho de analogia sem fim.
O velho e o novo recombinando-se, a memória e o discurso da memória, viver e narrar o vivido.