Resolveu anotar tudo, cada atividade. Amanhã
começaria algo novo, por exemplo. Depois sairia. Depois leitura e café. Depois
um espaço aberto a ser preenchido por qualquer coisa.
Nunca a fixação de escrever, registrar cada
pormenor e deixar tudo grafado. Como se memorizar o futuro antes de acontecer. Como
se controlar o tempo e nisso não estar à mercê do descaminho.
Mas tudo também tão volátil, palavras em um
caderno, coisas ditas e desditas. Coisas que iam e voltavam.
Contra tudo que passa decidiu escrever ainda mais firme, letra em pé, tinta preta. Irrevogável.
Escreveu que almoçaria e de fato almoçou, em seguida foi ao mercado e trocou a
lata de leite vencida por outra no prazo, tudo antes previsto no próprio caderno de anotações.
Ainda a mania de não verificar os dados de
validade. Passava por idiota, mas era
apenas desatento. Pediu que trocassem. Voltou com outra sacola cheia de
maracujás.
Era o
melhor suco. O travo na bochecha, a acidez bem dosada com certa doçura, tudo
equilibrado. E a aparência intrigante, a casca em contraste com o miolo da fruta, sempre a impressão de
que eviscerava um animal. Um bicho abissal.
Voltou e suprimiu um trecho inteiro do
caderno. Rasurou. Reescreveu. "Destacar maracujá." Continuou.
Terça-feira, pensou. Novembro. Em segundos o ano acaba. Hoje viu a primeira decoração de Natal. Foi no caminho para o trabalho. Luzes azuis piscando na varanda de uma casa.
Terça-feira, pensou. Novembro. Em segundos o ano acaba. Hoje viu a primeira decoração de Natal. Foi no caminho para o trabalho. Luzes azuis piscando na varanda de uma casa.
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