Convém esboçar uma ideia de futuro, mas estou farto de tudo que não seja o hoje e o amanhã, no máximo o depois do amanhã, que já considero um estirão muito além do alcance dos dedos e da boca, com os quais vamos buscando sempre o de que mais precisamos.
O ano passou-se como de costume. Sem queima, a contagem da TV demarcando a virada, na sacada de um apartamento alguém soprava um instrumento melodioso e nele esse tipo de música cuja maior serventia é inspirar um estado falsamente reflexivo no qual nos pomos diante do que não sabemos. Uma reza em tudo muito apoucada para o menor desafio.
Depois fomos à rua, andamos à toa, e em tudo na cidade o tempo não se refletia. Era rito sem rito, fogos pipocando de quando em quando, mas, fora isso, nada. Sorrio para essa falta, tenho com ela uma ligação qualquer.
No dia seguinte acordei perto do meio-dia, desorientado e sem muita cabeça para as pilhas de livros na mesa, os lápis, os blocos, os tantos projetos, os compromissos que fui rabiscando, de modo a lembrar de cumprir nas férias os itens dessa lista, do contrário não conseguirei.
Uma ideia extravagante fazer do vazio o ocupado, preencher com tarefas o dia a dia gratuito sem trabalho. Então deixei de lado e me deixei levar, apenas, uma série, uma leitura, um sorvete, sol raramente.
Embora tenha lá minhas ambições para a temporada, é verdade, um ou outro continho mais ordinário, uma reportagem de maior fôlego, uma semente de romance que me parece ora promissora ora uma arrematada idiotice.
Mais um dia, e agora penso que se não anotar tudo o tempo correrá tão depressa que o arrastado das férias há de saltar e saltar, vencendo a resistência dos materiais e impulsionando tudo para o mais adiante.
Por isso decidi escrever e fazer constar que hoje, dia 2, o segundo dia do ano, encostei a ponta porosa da caneta azul no centro da página em branco e lá deixei escapar um ponto.
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