Ano passado desejei entregar tudo, a vida desmoronando aos
bocados. Tudo sempre se danifica. Feito essas paredes nas quais mal encostamos
e os pedaços de reboco úmido esboroam, espalhando-se pelo chão. A sensação de
que o mundo está condenado.
A avó costumava dizer das coisas que não tinham mais
expectativa. Estão condenadas. Era uma sentença. Esta camisa está condenada,
esta comida está condenada, esta criança está condenada. Um arroz que a mãe
salgasse porque estava distraída pensando no pai: está condenado. Uma parede
que o pedreiro erguesse torta porque depois do almoço tomara uma pinga na
bodega antes de voltar ao trabalho: está condenada.
Quando minha mãe conheceu meu pai, ela uma menina e ele
também, a avó resmungou na soleira da porta de casa: está condenada. A mãe não
deu ouvidos. Jamais daria.
Precisei estar no sertão para descobrir que a água amolece e
o sol cresta e quase tudo é morto antes de nascer. É uma lei natural. Sempre
imaginei o contrário, mas não é. A água expande, convida ao movimento, o sol
impõe uma quietude que é também uma espera. Quem está sob o sol ou está morto
ou aguarda algo que possivelmente morreu.
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