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Palavras pra riscar de 2022

  Tenho uma lista de palavras sem as quais a vida talvez seja mais fácil, mais agradável, menos azeda e repetitiva. Em bom cearensês, são termos que já estão fubá, como aquela camisa comprada dois anos atrás e cuja gola se afolozou rapidamente, a manga enviesada que não presta mais. Ou aquela calça de elástico morto, cor de burro quando foge, como dizia a vó. Enfim, um léxico já usado e abusado, seja porque recorremos muito a essas palavras, seja porque, por preguiça mesmo, porque procurar palavras novas é uma tarefa e tanto, a gente se cansou e ficou dando voltas em torno do mesmo sentido, cavando um buraco nas palavras e delas extraindo até a última gota de significado. Daí que resiliência, que já era antiga e gasta em 2016, hoje não tenha quase nada a dizer, salvo em frases feitas ou clichês de propaganda de banco. E reparem que a publicidade de bancos são os cemitérios das palavras. Quando alguma delas figura numa peça com uma menininha e uma atriz consagrada, por exemplo, é po...

BBB

  Chego atrasado à polêmica na qual, em pleno 2021, um ator jovem e talentoso se manifesta publicamente emitindo juízo negativo sobre programa de TV popular, como se ninguém soubesse, quem o assiste ou não assiste, que o programa é: a) popular e b) medíocre ao mesmo tempo. Como réplica, um ex-apresentador do dito programa faz saber que a atração paga o salário do ator, numa demonstração pública e sem filtro do que rege estritamente as relações numa empresa: hierarquia, dinheiro, obediência, cadeia na qual o ator está numa posição mais abaixo e o ex-apresentador, sendo quem é e filho de quem é, está numa posição bem mais acima. E nenhuma dessas informações contextuais pode ser ignorada no referido diálogo ou troca de mensagens entre eles. Donde se conclui que, se o programa provém o sustento do ator, mesmo que indiretamente, criticá-lo agressivamente (o cara chamou o programa de “bosta”) é inadequado, segundo o ex-apresentador, que, sendo quem é e filho de quem é, obviamente não diz...

Chamada de Birigui

Tenho pra mim (expressão consagrada pelo pai sobre a qual devo escrever em algum momento) que essas ligações todas que recebemos com DDD de São Paulo, isso não é boa coisa. Outro dia foi de Birigui, palavra-cidade que só lembro de ter ouvido na boca do Silvio Santos, naquele programa de casais, o Namoro na TV. Faz tempo. Era coisa constrangedora, mas muito divertida. Os homens e mulheres se postavam em lados opostos, enfileirados, já de antemão mirando-se de esguelha. Munidos de binóculos, confirmavam depois as impressões iniciais, se os pretendentes eram de fato bonitos ou se havia sido apenas um engano, como acontece ainda hoje, quando a presença real não bate com a imagem projetada pelo dito-cujo nas redes sociais. Seguia-se então o baile, durante o qual os interessados papeavam e até arriscavam um beijo. E, ao cabo da dança, o veredicto, que era proferido sempre pela mulher: sim, quero namorar, não, não quero namorar, e o rapaz ali, com cara de tacho, como dizia minha vó, que não ...

É Natal

  Que esquisito chegar ao final de 2021, algo como correr uma maratona cujo fim não se divisava até outro dia, a fita de chegada sempre afastada a cada metro vencido, como naquele desenho animado em que o coiote tenta capturar a ave muito veloz e nunca a alcança. Assim foi o ano. Não que tenha corrido, pelo contrário, foi devagar, diria que sadicamente lento, impondo cada segundo e cada minuto com prazer cruel, saboreando o andamento interminável dos 365 dias. Os meses de janeiro a março, o que se fez deles? Não tenho ideia. O início do ano já perdido no tempo, sabe-se lá onde a gente estava naquele 1º de janeiro, se em casa ou entre gôndolas de supermercado reabastecendo a geladeira de bebida para aguentar a temporada. E o que dizer de abril e maio, também espiralados em algum buraco negro do calendário, engolidos pela força da voragem, tragados por algum desarranjo zodiacal? De junho a setembro, lembro apenas que fui envelhecendo e, nessa cadência, decidi mudar certos hábitos ali...

Ponto da moda

De tempos em tempos, uma modalidade esportiva ganha os corações e mentes do fortalezense, deles fazendo morada por meses, até que, de repente, não mais que de repente, o amor acaba. Agora é a vez do beach tênis, que sucedeu ao stand up paddle no gosto da mocidade nativa. Uns dois anos atrás, se alguém quisesse saber quem estava livre na cidade, bastava olhar pra orla. O stand up paddle era a primeira atividade a que o recém-solteiro se dedicava com afinco, de modo a se reconectar com esse ambiente de sol e mar e também acenar para sua audiência que ele ou ela estava dando sopa ali. Com o beach tênis ocorre algo semelhante, mas com alcance maior, evidentemente, extrapolando o caráter afetivo e simbólico, sem perder esse ar de corrente social que se transmite entre as classes média e alta, como uma gripe ou frieira que só acomete quem mora do Dionísio Torres pra lá. Tal dia, todo mundo decidiu comprar uma raquete especial, que custa uns bons dinheiros, e partiu rumo à praia ou, como me d...

Gkayverse

       Há dias me pergunto quem é Gkay, e nisso não vai nenhuma soberba, mas curiosidade mesmo, de modo que me pus a pesquisar movido por aquilo que alimenta a humanidade: a fofoca. Li em algum lugar sobre fato impudico que tinha se passado entre dois famosos num certo quarto escuro de um certo lugar em Fortaleza. Ora, esse lugar era a festa da Gkay. Demorei a entender que Gkay era uma pessoa e não uma marca de óculos ou de roupa, apenas para descobrir que é uma pessoa e uma marca ao mesmo tempo. E que a tal festa era seu aniversário de 29 anos, mas também um encontro em grande escala de celebridades e subs da internet e do circuito artístico-popular brasileiro. Um aniversário que se estendera do domingo até a quarta-feira, com lista de convidados, atrações, hospedagem e patrocínio para a farra toda, além da cobertura sistemática de cada passo dos famosos que tinham marcado presença e se instalado no hotel, passando a filmar tudo e a postar nas redes. Em resumo, um F...

A primeira-dama

  Vejo a cena mais uma vez. A primeira-dama aos saltos na sala repleta de gente, muitos sem máscara, persignando-se e agradecendo a Deus pela aprovação de um indicado do presidente para vaga de ministro da Suprema Corte, de cujos aspirantes a membro se exigem notório saber e reputação ilibada, nunca qualquer filiação religiosa. Mas o vídeo sugere o oposto, que o ungido pelo chefe deve parte de sua escolha ao fato de que é evangélico. Mais que isso, que a aprovação é sinal de dádiva alcançada, de graça obtida, e não de cenário em que os interesses parlamentares de oposição e de situação convergem pragmaticamente para o mesmo ponto: o atendimento de pleitos comuns a qualquer senador eleito. A primeira-dama então desanda a “falar em línguas”, que é um modo de tocar o espírito santo recorrendo à “gramática dos anjos”, num jorro desarticulado de sons que, aos que acreditam na mensagem, têm algum sentido cifrado. Em seguida, dá alguns pulinhos e só depois abraça o ungido pelo Messias, já...