Chego atrasado à polêmica na qual, em pleno 2021, um ator jovem e talentoso se manifesta publicamente emitindo juízo negativo sobre programa de TV popular, como se ninguém soubesse, quem o assiste ou não assiste, que o programa é: a) popular e b) medíocre ao mesmo tempo.
Como réplica, um ex-apresentador do dito programa faz saber que a atração paga o salário do ator, numa demonstração pública e sem filtro do que rege estritamente as relações numa empresa: hierarquia, dinheiro, obediência, cadeia na qual o ator está numa posição mais abaixo e o ex-apresentador, sendo quem é e filho de quem é, está numa posição bem mais acima. E nenhuma dessas informações contextuais pode ser ignorada no referido diálogo ou troca de mensagens entre eles.
Donde se conclui que, se o programa provém o sustento do ator, mesmo que indiretamente, criticá-lo agressivamente (o cara chamou o programa de “bosta”) é inadequado, segundo o ex-apresentador, que, sendo quem é e filho de quem é, obviamente não diz isso em pé de igualdade com o ator, mas num degrau bem mais elevado, não custa repetir, numa espécie de quase carteirada ou, no limite, assédio.
Sim, o que o cara branco fez beira o assédio, ou é assédio pura e simplesmente, não sei, porque sugere, ainda que nas entrelinhas, que alguém cujas contas são pagas por um programa não deveria se manifestar sobre esse mesmo programa em termos tão críticos. No fundo, foi isso que T. Leifert fez.
Ora, em minha opinião, trata-se de choque de burrice sem tamanho, mas que convém nuançar, uma vez que: achar qualquer coisa ruim, do picolé da Pardal ao BBB, está no direito de cada um, e expressá-lo livremente ainda é considerado exercício de liberdade civil.
De maneira que o ator, pretendendo ou não se apresentar como esse cara meio cult que não consome aquilo que se convencionou chamar de mediocridade televisiva, e entre suas motivações para isso possam estar mil e uma coisas, como construir uma imagem pública de artista cuja carreira se associa ao que de fato tem relevância ou ao que é genuinamente “arte” – muitas aspas aqui, propositais e inconscientes –, tem todo o direito de falar o que quiser sobre um programa da mesma emissora da qual ele faz parte, desde que considere que, nessa mesma emissora, e aí está o elemento que o constrange, supõe-se que ele seja frequentemente instado a tomar parte em produtos tão ruins ou mesmo piores do que o alvo de suas críticas devastadoras – com as quais concordo. E, mesmo nessa hipótese, ele ainda teria/tem o direito de gostar disto ou daquilo, achincalhar isto ou aquilo.
BBB é de fato ruim, é de fato medíocre, se comparado à Capela Sistina, ao Ulisses ou a qualquer poema de Drummond, por menor que seja, mas é burrice supor que quem o assiste o assiste por outras razões que não O FATO DE QUE O PROGRAMA é o que é, ou seja, assiste pelos motivos em razão dos quais o ator condena o programa, e não o contrário.
Eu me enquadro nessa categoria de audiência. Vejo BBB não porque o considere equiparável a Memórias do subsolo, mas porque é um divertimento de baixa ou quase nenhuma exigência mental depois de um dia de trabalho – às vezes no meio do dia também, ou no começo e ocasionalmente durante todo o tempo livre.
Moral da história: o juízo do ator sobre o programa merecia aquela resposta? Não.
Merecia resposta no formato e nos termos em que se deu e por quem a deu? De modo algum.
A réplica é infinitamente pior do que qualquer coisa ou adjetivo ou crítica agressiva às qualidades duvidosas do BBB que o ator possa ter dado.
Isso é tão óbvio que não deveria despertar em ninguém uma reação do tipo da que o ex-apresentador teve, saindo em defesa de um produto como se defendesse a nona de Beethoven ou algo semelhante. No afã de preservar o próprio trabalho das críticas – legítimas – de terceiros, o ex-apresentador lançou mão de uma cartada que é velha conhecida dos brasileiros: sabe com quem está falando?
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