Levei uns minutos olhando as fotos do aplicativo do avatar mágico, que transforma retratos pessoais em replicantes, personagens futuristas, elfos caboclos, cavaleiros de um mundo pós-apocalíptico e por aí vai.
Enfim, toda sorte de cenários imaginados, quadros retocados, corpos melhorados e superfícies aplainadas em troca de uns poucos dados pessoais, depois armazenados e, segundo a empresa, descartados.
Não fiz a experiência, porque custa algum dinheiro, mas fiquei espantado com o resultado espalhado pelas redes sociais, alguns prontamente adotados como nova foto do perfil, numa aceitação geral cujo sentido era mais ou menos o mesmo: isso aqui é arte.
O estupor em si aponta que há algo na relação entre público e fotos que se situa numa outra escala, tem outra qualidade. O trabalho da inteligência artificial surpreendeu não porque se trata do primeiro aplicativo de edição de fotos, porque não é, mas porque faz o que se imaginou que uma IA não faria: arte.
Uma arte que lembra as pinturas coloridas do litoral cearense vendidas na avenida Beira Mar, ou aquelas mais saturadas e de péssimo gosto que fazem a cabeça da família Bolsonaro, mas ainda assim uma arte: paleta de cores metálica e essa energia conectiva derivada da cultura do compartilhamento e do Vale do Silício, versões de nós mesmos existindo noutra latitude.
Uma mistura de fantasia e subúrbio, de pessoal e impessoal, de presente mergulhado numa crise política e climática e um futuro controlado. Uma projeção do nosso “eu” décadas adiante, como se o que víssemos ali não fosse a gente, mas uma personalidade alternativa vivendo em 2199. Um porvir não tão distante de um agora-passado que já é quase futuro.
A IA opera fazendo a leitura de linhas cuja síntese indica constantes estéticas e paisagísticas a partir das fotos entregues pelos usuários. É, nesse sentido, também uma atividade de predição, quase como uma astrologia, um artefato oracular.
Signos interpretados à luz de algoritmos hipersensíveis que atualizam o presente e apresentam um futuro a quem puder e quiser pagar por ele. A relação, não custa lembrar, é mercadológica. E que futuro é esse?
Um futuro onírico, seguro, ambientado num depois estabilizado e situado como que numa ficção – uma autoficção. Um mundo mágico vivido, por enquanto, apenas na foto, ou seja, na imagem estática, aprisionada, sem margem para erros.
Mas sua aceitação ampla leva a pensar no quão perto estamos de uma projeção que também incorpore o movimento, substituindo o real por um modelo paralelo, não como os quadros toscos que temos visto nessas reuniões de trabalho do Metaverso, com bonecos do Zuckerberg se movimentando de maneira engraçada em torno de mesas que se parecem com a mobília de Minecraft.
Falo de um mundo esculpido e operado por IA cuja eficiência e aceitabilidade se comparem ao dessas imagens que agora correm soltas e substituem as fotos de perfil, vendidas em pacotes de 20 ou 40 reais, como figurinhas de álbum da Copa. Um mundo sob demanda e ao gosto do freguês, que fica pronto no máximo em 15 minutos.
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