Tento apanhar o dia nas mãos. A filha sentada ao lado aguarda o fim, pergunta se já tenho um resultado, se terminei de trabalhar, faz cara de quem se contraria, em seguida finge dormir.
Invento uma desculpa, digo que falta pouco, mas não falta nada. Tudo já feito e tudo já dito, nada feito e nada dito.
Tento apanhar o dia, e não posso sequer pronunciá-lo. Não está a meu alcance inventariá-lo aqui, me deter na sua superfície, arrancar o dia à força e mostrá-lo a quem o queira ver, expor o dia e assim me sentir melhor porque é tão feio e agora não me pertence.
Queria exibi-lo, dizer o que fosse. O dia pesado, essas horas todas durante as quais pensei em tocar no assunto, mas não disse nada. Calei porque não convém falar sobre o dia, ainda que me pertencesse não diria muito, mas não me pertence esse tempo.
Depois andei à procura de livros naquele ambiente espaçoso e ultra-refrigerado de um lugar pelo qual não tenho simpatia, mas sem desejá-los de fato, sem querê-los realmente, o olhar saltando de lombada em lombada, desinteressado. Um fastio de tudo, do tumulto e do frio, do excesso e da histeria, do cheio e do vazio, das escadas e das cadeiras.
Adiar todos os compromissos, suspender o tempo e esperar num canto comendo pipoca.
Lembro de quando fui à serra. Tinha esperança de encontrar um fragmento do meteoro e trazê-lo comigo. Fomos a todos os cantos, mas nada, nem sinal de pedra caída do céu. A todo mundo que perguntava se tinham visto tais e tais pedaços rochosos despencando, a mesma resposta desencontrada. Todo mundo tinha visto alguma coisa, e ninguém tinha visto nada.
As pedras já estavam lá quando chegamos.
Comentários