Estou adiando esses começos, trechos escritos mentalmente sobre os quais penso acrescentar mais alguma coisa, imperfeitos porque lhes falta algo que não sei o que é.
Inícios de histórias que se recusam a virar coisa concreta, vivem no antes, imateriais. Uma insistência no pensado, no refletido, no cálculo que é pura sabotagem porque não conduz a lugar algum.
E assim deixo para depois o que talvez merecesse existência agora, imperfeito que seja, desajeitado e lacunar, um objeto falhado de partida porque esse estágio no qual todas as dúvidas encontram suas respostas jamais chega.
Escrever, de alguma maneira, é pôr em suspenso essa crença no domínio pleno sobre o escrito para além de certo conjunto de pressupostos teóricos e técnicos.
Mas esse retrato, sabê-lo existir, estar acessível e pronto a toda leitura em qualquer tempo e por qualquer um, isso me dá certo medo. Deixar uma marca que não se apaga, um registro permanente de um estado de coisas num dado momento. Aquele era eu naquele ano, naquelas condições, dizendo o que só eu poderia dizer.
Melhor seria que tudo se passasse como no aplicativo de mensagens em que o conteúdo se apaga periodicamente, tudo dito e desdito, tudo feito e desfeito. Nada sobrevive a essa comunicação volátil que, quando a revisitamos, não está mais lá, dela restam apenas uma impressão ligeira, um halo qualquer que é mais como uma sombra do objeto existente do que o objeto em si.
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