Não sei se repito essa história, mas já fui Cristo na escola. Um Cristo mirim, sem muito empenho artístico, cabisbaixo, quase introspectivo, o que é o contrário do Cristo eloquente e viajante, pregador e libertário.
Talvez por isso tenha apanhado de verdade quando os romanos – alunos da 5ª série C – me prenderam e, com pedaços de pau, me açoitaram por uns cinco minutos, descarregando toda sorte de mágoas da vida escolar num colégio da periferia da cidade.
A coisa toda era bem real, a valer. Naquela época não trabalhávamos com nada cenográfico, não conhecíamos espadas de papelão nem arcos de celofane. O cajado era de madeira, o arpão, de ripa de construção, de modo que, quando Cristo era castigado, eu apanhava realisticamente.
Algo parecido com o treinamento da Fátima Toledo e com o método de Stanislavski, embora não conhecêssemos nem a preparadora de elenco de “Tropa de elite” nem o diretor e escritor russo, famoso por seu desejo de que os atores e atrizes incorporassem emoções.
E lá estava eu, quase chorando de verdade, stanislavskianamente, sem entender que era um artista vivendo na carne uma atuação para uma plateia que se divertia – os alunos da 3ª série A, menores do que a gente e, por isso, incapazes de entender do que se tratava aquele suplício.
Tudo não deve ter passado de uma meia hora. É certamente a paixão de Cristo mais curta e menos custosa financeiramente, para minha sorte. Ao fim dela, lembro somente de que, depois de morto e antes de ascender aos céus no terceiro dia, numa comprovação da sua natureza miraculosa e não-humana, o nosso Cristo (eu) trepava-se num muro.
Era o muro dos fundos da escola, de onde eu saltaria para um terreno ao lado, marcando a subida com uma queda, a assunção com um mergulho. Mesmo agora penso sobre isso, nesse movimento para baixo, quando pulei e me estropiei em cima das plantas do quintal vizinho, arranhando-me, mas mantendo a integridade física e moral e, mais importante, encerrando ali mesmo qualquer pretensão que eu tivesse de investir na carreira teatral.
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