De noite chove, e da casa de alpendre se vê apenas sombra. A luz projetada do poste amarelece o terreno em volta da casa, que tem feitio de coisa abandonada. Passamos por ela sem parar. Mas, à frente, tenho desejo de voltar, bater à porta e perguntar se há vivente ali ou apenas fantasma. Pedir uma cadeira e demorar ainda na fachada, observar o terreiro lavado d’água desde a madrugada, os bichos recolhidos ao poleiro, alguns no cercado.
Talvez visse a vó do outro lado, acenando como gosta de fazer nos sonhos, sem assustar. Porque já não me assusto com alma, não corro nem finjo incredulidade, não faço gesto de aperreio. Apenas vejo e estudo se quer auxílio e como posso servir-lhe, ou então ignoro, não tenho dívida com esse outro mundo.
Eu ficaria ali sentado, cheirando a terra, aspirando mais um bocado o céu da cidade. Estamos na serra, passamos incógnitos. Ninguém nos conhece nem nós a ninguém, de modo que avançamos feito essas sombras que atravessam a chapada, três sombras de perfil mais curvado.
Peço café, que vem na xícara, feito garapa, que é como gostamos de beber aqui. Reparo agora que há uma rede estendida no canto, talvez tenha tomado água. No sertão ninguém esquece uma rede fora de casa. Estranho aquilo.
Logo amanhece, e o resto de sono se mistura à imagem do alpendre mergulhado na luz da noite. Ainda me volto e vejo o que ficou, tenho a impressão de distinguir um vulto estirado na rede, mas sei que não é.
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