Nadei até o barco de madrugada, talvez duas ou três da manhã, já não lembro. Cada braçada se seguindo à anterior e antecedendo a seguinte, o movimento repetitivo e seguro, quase banal de tão mecânico, até finalmente chegar a essa criatura marinha cuja existência era um assombro para mim. Que se mantivesse intacta na sua desmesura ferruginosa enquanto tudo o mais se refazia era uma questão que me agradava mais do que surpreendia.
Procurei a escada da embarcação naufragada. Encontrei, subi. Ela me levou até uma espécie de convés, e do convés andei tateando às escuras. Vasculhei cada pedaço do barco, mas logo entendi que eu não fora até ali procurar nada. Eu tinha procurado apenas um lugar para sentar e olhar de volta. Assumir a perspectiva da personagem fora do quadro, de quem não participa, exatamente como tinha sido a vida inteira. Ou pelo menos do que eu lembrava que fora a vida, já que partes dela haviam se apagado depois da crise e da ida ao hospital e das 48 horas em que fiquei apagado, apenas ouvindo os ruídos, a carne gelatinosa do cérebro filtrando tudo e retendo bem pouco.
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