A dúvida: fazer planos ou não, estabelecer metas ou não? Simplesmente deixar correrem os dias, sem previamente demarcá-los com um asterisco na agenda, apontamentos que levem a tarefas programadas desde já?
Ou adotar de vez um modo free style de vivência, desobrigado dessa coisa maçante que é cobrir os dias com pretensões e expectativas, arrumá-los na estante antes que cheguem?
Adotar um meio termo, ou seja, inscrever como compromisso ou nota apenas o essencial, deixando margem para que o contingente se infiltre e eventualmente desorganize essa linearidade pressuposta?
Mas não é da natureza do contingente essa capacidade de desmantelar estruturas coesas, tenham elas a feição que tiverem?
Antes de decidir, quis revisitar as anotações do ano passado, mas não sei onde estão. Eu as perdi, certamente as perdi. Ou, pelo contrário, talvez as tenha cumprido estritamente e jogado fora, imprestáveis depois de executadas, vazias para qualquer uso, e agora não lembro de nada.
Também posso tê-las esquecido em algum lugar, quem sabe num restaurante ou no cinema, na mesa do café, onde alguém calharia de encontrar casualmente e, se fosse o caso, se gostasse do que eu havia disposto ali, organizado para a minha vida futura, passado a viver o que era de outro.
Viver a vida desse outro a partir de rabiscos desenhados num caderno achado na rua. As coordenadas para qualquer lugar dando falsamente a sensação de que têm um sentido.
Mas não foi isso. Acho que estão por qualquer lugar dentro de casa, num armário ou no guarda-roupa, entre livros que foram chegando e se empilhando quase que naturalmente na mesa do quarto do meio, atrás de alguma estante.
Um caderno que escorreu para as brechas do sofá, engolido pelo móvel, devorado lentamente e lá permanecendo por décadas e décadas, até que alguém o encontre e desvende, como arqueólogos examinando artefatos, pedaços de outra civilização, sobras do tempo.
Sobras do tempo. Determinações para uma vida depois.
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