Há um tipo que se lamenta à medida que as restrições sanitárias vão se afrouxando e por todo canto a vida se impõe como novidade: o bonito de máscara.
É categoria nova, criada pela pandemia, que, entre outras mudanças, alterou radicalmente o regime estético nacional, diria global, planetário, mas receio exagerar.
De modo que me sinto à vontade apenas pra falar da cidade e, quando muito, do bairro. Aqui, por todo canto veem-se ainda as pessoas usando a máscara, mesmo nas mesas de café e na cantina do supermercado, levantando-a para morder a coxinha ou mergulhar o pão no café, mas logo cobrindo-se de novo.
É conduta misteriosa, pensei comigo, eu mesmo relutante entre continuar sob a máscara e me descobrir brevemente enquanto me alimento.
A insistência do hábito, suspeito então, não tem relação apenas com cuidados, tampouco com apego desmedido a um acessório que, antes estranho, foi progressivamente incorporado ao dress code de qualquer vivente.
Não que o cearense se esmere assim tão mais que outros gentios com o zelo higiênico. O buraco é mais pra baixo. O fato se explica por critério de beleza.
Ora, depois de tanto tempo de pandemia, durante o qual passamos uma fração do dia com metade do rosto coberta, a outra metade exposta, deu-se algo inusitado: o feio passou a bonito e o bonito, a mais bonito ainda, de maneira que, entre pandêmicos, os mal servidos de beleza tiveram finalmente sua chance de flertar sem medo.
Pela primeira vez, a economia afetiva deu lugar a essa categoria antes despossuída, vulnerável enquanto participante do jogo aberto do flerte. E tudo isso mudou com a máscara.
Se a boca lhe desfavorecia, agora põe-se escondida. Se os lábios finos ou a dentição imperfeita o envergonhavam, sob a máscara nada se vê. Mesmo o nariz, esse elemento da arquitetura facial que ou é invisível ou está gritando por atenção, encolhe-se, discreto, debaixo da camada de pano ou de outro material qualquer, não importa.
Para efeitos de disfarce, toda máscara é válida. E cá estamos diante do drama da proximidade desse momento em que todos iremos, em algum ponto do futuro, o que pode significar 2022, abrir mão da máscara como item do dia a dia, um artefato sem o qual o bonito de máscara retorna à sarjeta do mercado do afeto.
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