Soube por acaso que o cantor cujo nome carrega a safadeza como predicado brindou ao fim da pandemia durante um show realizado no México depois de ter furado a fila da vacina em Fortaleza, avançando na vez de muita gente – na minha, inclusive – e oferecendo o braço à agulhada única da Janssen.
Depois disso, ressentiu-se dos termos da negociação com as autoridades, que lhe deram uma alternativa. Em vez de se tornar alvo de uma ação penal, pagar uma quantia a uma instituição social qualquer, pública ou privada.
O cantor recusou. O valor, de R$ 792 mil, é alto, alega.
E arremata: quero ser tratado como cidadão comum.
Veja só: o artista furou a fila da imunização contra uma doença que matou 600 mil pessoas. Não apenas ele, mas também a esposa e uma assistente. Arquitetaram tudo, contaram com apoio, ajuntaram-se com outros e, no dia certo, na hora H, saíram rumo a um shopping da cidade para tomar uma vacina de dose única, o que lhe permitiria sair com agenda de apresentações pelo mundo.
Em nada disso ele foi um cidadão comum, pelo contrário, fez valer o velho jeitinho cantado em verso e prosa no Brasil, de Sergio Buarque de Holanda a Gilberto Freyre. Toda a confusão é a demonstração cabal de que o cantor se recusou sistematicamente a ter de enfrentar uma fila, como qualquer cidadão comum fez até agora, porque é assim que as coisas funcionam – ou deveriam funcionar.
Investigado, tornou-se objeto de um processo que, para que não se converta em persecução penal, passou por rodada de negociação A PEDIDO da defesa do dito-cujo, que agora reclama do VALOR proposto como ressarcimento pelo fato de ter FURADO a fila da vacina, imunizando-se antes de outras pessoas, estas, sim, cidadãs comuns que não puderam se valer da influência social e da fama.
A seu favor, o cantor afirma não ter furado a fila, mas sido mal assessorado, que não sabia que a mudança de local de vacinação acarretaria tanta dor de cabeça. Certo.
As investigações sugerem, PORÉM, que a safadeza foi premeditada, planejada e executada. Houve dolo.
Comentários