O amigo escreve, melhor, manda uma mensagem de áudio que escuto à moda antiga, sem acelerar. Voz pastosa, quase 11 horas da manhã. São tempos ainda de trabalho doméstico, de maneira que os hábitos se acomodaram numa encruzilhada de público/privado na qual os códigos, e o sono entre eles, se confundem.
O amigo diz nessa voz melosa que fará uma bateria de exames na semana seguinte. Melhor, que está fazendo, e cita então exames de sangue, de vista, de coração etc. Uma infinidade de cuidados que não sabia que os de minha idade, os chegados aos 40, careciam de tomar.
Tento lembrar de quando meu pai tinha 40, se vivia assim, se já se precavia, mas não consigo. O pai sempre foi atlético, não serve de exemplo. Corria e lutava boxe.
Conto que eu mesmo fiz algo do tipo outro dia. Não correr ou lutar, mas me submeter a uma série de exames também. Tudo aparentemente normal, a médica até elogiou a pressão, segundo ela numa cadência de normalidade. Depois explicou por quê.
Os homens, ela me disse, costumam ter muito medo de médicas, e enfatizou o caráter feminino da palavra. O temor, que deve ter algum fundo ancestral, se expressa quase sempre na hora de verificar a pressão, que descompassa.
Eu não sabia dessa história. Fiquei orgulhoso porque, embora a temesse de fato e ela não soubesse disso, ou pelo menos eu achava que não sabia, não havia dado essa bandeira na pressão arterial.
A consulta se encerrou. Fui embora certo de que tenho saúde de ferro, tal qual o pai duas décadas atrás, quando ele tinha a idade que tenho agora e eu, a metade do que tenho hoje.
Não disse nada ao amigo, que pensava na saúde como algo natural, como um carro que funciona e para o qual não dou a mínima. Mas, naquele dia, depois de ouvir a mensagem sem acelerá-la, exatamente como faz um jovem idoso, fiquei com essa coisa na cabeça, ou seja, o fato de que lentamente nos tornamos alguém que precisa checar de tempos em tempos a quantas anda a máquina do corpo.
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