Levar mais do que meia hora num streaming e terminar sem escolher qualquer filme, disso resultando a sensação de fracasso, primeiro pelo tempo perdido numa demora que poderia ter sido abreviada não fosse essa insistência descabida na procura por algo que não encontraremos.
Depois pela certeza impalpável, inespecífica, segundo a qual há qualquer coisa acontecendo longe dali, um programa que não estamos vendo, uma atração feita sob medida para nós e que, no entanto, não existe, não está lá, é fruto de um tipo de pensamento fora de qualquer razoabilidade porque se fundamenta na sensação de que fomos deixados de fora de uma experiência coletiva.
O medo de que não tenhamos a senha para entrar na festa das redes superando desde já os códigos pessoais, os gostos e preferências.
Daí, meia hora depois, de antemão derrotados mas renitentes, temos três alternativas: desligar a TV, reprisar um filme qualquer ou apostar numa péssima série cujos dez minutos iniciais provam cabalmente não merecer uma fração da nossa atenção, e mesmo assim entregamos esse tempo, oferecemos essa preciosidade, ainda que provisoriamente, porque é isso que estamos acostumados a fazer.
Admitida a dificuldade de escolha, pior, a impossibilidade de escolha do que quer que faça parte desse vasto catálogo, dessa infinidade de opções que, no entanto, são muito poucas, tenha o usuário decidido por se desligar ou submeter-se a qualquer produto, o que resta são tentativas e insucessos.
Mesmo a chance de dormir antes das duas da madrugada está previamente descartada, porque ou a insônia ou a estridência visual ou a falta de um cansaço que faça o corpo extenuar-se se impõem, o que acaba por adiar esse momento em que fechamos os olhos.
Logo, um dia qualquer como esse é marcado por escolhas ruins nas plataformas, narrativas cuja espinha dorsal é a mesma e o acúmulo de horas insones, dadas as dificuldades para se desconectar.
O que parece significar um impasse, visto que, conectados, esperamos continuamente pela próxima mensagem, pela próxima atualização, pelo novo filme do streaming, a série surpreendente, o próximo vídeo; desconectados, somos assombrados por uma fantasmagoria virtual, essas luzes que seguem piscando muito tempo depois de já termos fechado os olhos.
Um algoritmo da vida urbana nestes primeiros anos da segunda década do século XXI.
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