Quase um ano se passou desde aquele 17 de março.
Levanto agora, vou ao banheiro, escovo os dentes, uma vida que se comprimiu e expandiu nesse intervalo, num crescendo em ondas para lá e cá, dentro e fora.
Um ano semana que vem. Um ano que não se permite balanço, síntese, uma legenda. Afundamos. Nessa ideia de que resistimos o engano de que nos fortalecemos, quando talvez se dê justamente o contrário: a cada oposição, a cada gesto de resistência, os materiais se desgastem, e toda essa engenharia uma hora acabe por se corroer lentamente.
Uma lenta ruína.
Lembro de escrever em tom jocoso naquele dia de 2020, a intuição de que não levaríamos tanto tempo naquele estado e que, mais dia, menos dia, estaríamos de volta, mas de volta a quê e como, eu não sabia, apenas imaginava que era uma passagem para outro lado, feito portal mágico.
Agora estamos aqui, continuamos aqui, separados daquela vida irreversivelmente.
Entre um mundo e outro não um fosso, mas uma dimensão refratária a qualquer tentativa de vencê-la.
As certezas mais estúpidas de que sairíamos melhores reduzidas ao que sempre foram: trivialidades, concessões ao momento, certa porosidade.
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