Hoje levantei mais cedo, separei tudo que tinha pra fazer, tomei café, deixei de um lado livros pra estudar e do outro cadernos para anotar, removi coisas que não usaria de imediato, liguei o computador, abri abas do navegador, tentei me limitar ao que era estritamente necessário, cliquei no que era apenas primordial.
Acionei o processador de texto, escrevi uma ou duas frases, parei, tomei mais café, pensei que não é bom tomar tanto café assim, e ainda no meio de uma pandemia, e sobretudo num dia como este 31 de março, mas aí já era tarde e eu tinha bebido três xícaras do café que eu mesmo faço, três colheres de pó e duas de açúcar para um quarto de água na panela, de modo que quase sempre resulta num café mais forte, o que me deixa distraído em vez de concentrado, a atenção fisgada por qualquer movimento da casa, a cortina que estala, a geladeira que bipa, o gato que ronrona.Então coloco fones de ouvido, mas logo essa invasão auricular começa a incomodar, tiro os fones, fecho as janelas porque começa a chover, reabro as janelas porque para de chover. O tempo esfria, depois esquenta e em seguida esfria de novo, e assim eu visto a camisa, tiro e depois visto novamente.
Resolvo tudo sem sair de casa na hora do almoço, cozinho pouco, escolho um lugar e sento. Interrompo o que ainda não tinha começado a fazer, decido que farei tudo depois de comer porque não consigo escrever com fome, também tenho dificuldade de escrever com a barriga muito cheia. Espero que a tarde chegue.
Antes de reatar o fio ainda desfiado das atividades planejadas pela manhã ao acordar, despejo mais um pouco de café na xícara. Coloco um pão na sanduicheira, duas fatias, depois mastigo olhando o fluxo de carros nessa nova sessão de chuva, as cores muito vivas, é sempre bom se demorar olhando objetos molhados.
Quando acabar de comer suspendo tudo pra valer e começo de fato a escrever, digo a mim mesmo, mas não escrevo nada quando finalmente sento na cadeira disposto a fazer o que tinha para fazer e levo mais meia hora tentando descobrir se vale a pena continuar a tentar, se estou cansado, estressado, se não rendo quando faz silêncio, se preciso me alongar, se minha alimentação está desbalanceada, se bebi água, se um sexto sentido me alerta para algo que não estou enxergando, se, se, se...
À noite ainda estou assim, então desligo o processador, desfaço as abas, fecho o computador, afasto os livros e empurro os cadernos porque, ao cabo de tantas idas e vindas, acho que me convenci de que não é uma boa hora para tentar fazer qualquer coisa que pareça minimamente produtiva.
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