E, antes de ir, quero contar sobre como o mesmo livro ou vários livros, quando abertos ao acaso, sempre acabam por revelar o mesmo trecho, como uma depressão em direção a qual uma esfera se dirige ao ser deixada livre sobre a superfície de uma mesa. Uma mesa aparentemente normal, mas que esconde ou disfarça essa inclinação que causa o movimento da esfera, que então rola lentamente e depois para.
Do mesmo modo se dá com esse livro hipotético, com esse volume ou esse conjunto de livros que tomamos por acaso enquanto andamos pelo quarto, por exemplo, e temos necessidade de pensar na vida antes de dormir, antes de deitar, de estudar ou mesmo de ler, porque é isso que fazemos ali.
E então o dividimos com displicência, e, nesse descuido, o mesmo livro ou um livro diferente abre-se exatamente no mesmo ponto do dia anterior ou de um mês atrás, como se houvesse essa depressão, essa vertigem ou falha que atrai a atenção, que faz a esfera deslizar até lá.
Hoje mesmo isso aconteceu comigo, peguei um livro aqui entre os muitos numa pilha, pensei em cheirar um pouco a página, algo que equivale ao cheiro do café logo cedo, e daí, folheando, cheguei a esse lugar ao qual sempre chego, mas sem realmente procurá-lo.
Me pergunto se esse ponto é uma fraqueza do livro, de sua forma física, se o vergaram ou dobraram excessivamente quando ainda estava sendo preparado, se se deformou no caminho, no transporte, se o tempo mais frio dos últimos dias o deixou amolecido e naturalmente ganhou essa conformação especial, como o tronco ou galho da árvore que se molda ao ambiente.
Porque a chuva permanente dobra e torna maleável a folha, e de repente, vemos o corpo do livro ondulando-se, uma capa que se curva e por aí vai.
Ou se há de fato uma explicação metafísica ou transcendental para isso, de maneira que voltar ao mesmo trecho daquele mesmo livro é como uma inscrição já feita, uma marca pré-existente à leitura, caminho trilhado que seguimos sem notar.
Como não costumo acreditar nessas explicações esotéricas, creio que a feitura do livro acabe por criar no objeto pontos de atração inevitáveis, trechos para os quais o olhar se dirige, uma espécie de Triângulo das Bermudas onde sempre caímos.
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