Anoto tudo que esqueço, cada pequeno acontecimento, o mínimo revés ou contratempo. Tenho fixação pelo gesto suspenso, o ato que falha, a falta, o elemento que se extravia.
Por isso o registro paciente do que não há, a anotação deliberada daquilo que tardou. Uma escrita que retrocede, não avança, quando muito gira sobre o próprio eixo, como dança que nunca se desenraíza.Lembro de ainda menino fazer a caligrafia. Desenhava a letra, caprichava a cada curva da vogal ou consoante, a mãe ao lado mantendo a seu alcance também um caderno. Capa preta, impressão de que encerrava ali uma vida que se recusava a compartilhar comigo. Segredos, sim, mas por que deixá-los à vista? Eu não sabia.
Lembro de escrever: o que escreve a mãe? Era uma brecha que tentava ocupar, o espaço vazio que não incomodava, pelo contrário. Na escola tinha orgulho de dizer que tinha uma mãe cuja vida não se revelava por completo, uma mãe que tinha um caderno proibido.
Parei de escrever, de rascunhar essas ninharias da vida. Perdi todos os volumes preenchidos durante esse tempo. A mãe também se desfez.
Um dia, era Natal, lhe perguntei sem volteios: o que a mãe dizia ali?
Levantou-se, recolheu pratos e copos, anunciou que tinha sono e foi deitar-se. Antes, respondeu que era bobagem, não lembrava, mas que eu não devia me preocupar com isso porque na época eu era um menino e ela, uma mulher.
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