Gosto de agendas, embora nunca as use de fato. Trazem consigo um projeto de futuro, com todas essas páginas em branco e campos para dados pessoais, frases e trechos de poesia avulsos e dispostos em cada mês, quase uma predição do que virá.
Na escola costumava pedir ao pai que me desse uma agenda, onde anotava diligentemente, naquela letra ainda aprumada, confissões adolescentes. Ensaiava invenções que se perderiam no tempo. Um dia, juntei e joguei tudo fora.Na faculdade, porém, as coisas se inverteriam, e a esse lirismo se seguiu uma fase do engajamento, marcada por agendas de partido político, como as do PSTU, renovadas a cada ano. Se duvidar, tenho ainda hoje uma coleção delas esquecida em algum lugar da casa.
Antes de ontem ganhei uma agenda. Fazia tempo que desejava uma, mas ou não atinava para comprar ou julgava desimportante organizar minimamente o tempo, de modo a fatiá-lo e encaixá-lo, nesse exercício de fé que é imaginar o que está para além da esquina.
Deixava quase sempre de lado, a exemplo desses compromissos que adiamos sempre, como fazer natação ou aprender francês.
Mas eis que chega essa época em que as agendas começam a aparecer, quase como se por milagre. Início de dezembro, as próximas faturas já com a data do ano novo. E então estão lá os calendários lado a lado de 2021 e, como se não bastasse, também de 2022, porque há quem não apenas planeje o amanhã, mas o depois de amanhã e o depois do depois.
A essas pessoas interessam as agendas pelo seu sentido prático, sua existência justificada. A mim interessa o vazio que se pode ou não preencher, a depender do que se queira.
Provável que eu a mantenha intacta, sem um rabisco, porque já perdi esse cacoete de manuscrever, tendo a mão enrijecido para o trato com lápis e caneta.
Mas também porque não pretendo ter com 2022 qualquer relação de expectativa, de maneira que, a cada mês, anotarei não o que sucederá, mas o que se passou, numa narração dos compromissos ao revés.
Como se o ano me vivesse, e não eu a ele. Assim espero que aconteça.
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