Pular para o conteúdo principal

Avistamento

     

O burburinho, e então os vídeos pipocando nas redes sobre o avistamento de um objeto no céu, testemunhos e rapidamente a conclusão: eram os chineses que invadiam o Brasil.

Não era, mas fiz a associação entre o rastro de luz e o meteoro que riscou o estado meses atrás e cujos fragmentos não foram ainda encontrados. Sumiço. Ninguém deu por nada ainda.

Dizem que se esfarelou em atrito, desfez-se todo. E lembro que me destaquei de Fortaleza pra serra atrás de caco de pedra caída do espaço, a filha pedindo “pai, traz um pedaço da Lua”.

Trago, filha, se achar.

Não achei, nem acharia. Diabo de invenção essa de sair no meio do mundo caçando o que se findou. Cheguei a entrar na mata e bater na porta da casa do povo, que, rindo, apontava mil e uma pistas, de pedregulhos dentro de lagoas a outras besteiras que, na hora, não vi que eram pura invencionice.

Mas, como na série que eu via quando menino, eu queria acreditar.

Por isso nem me importei quando me mandaram esse vídeo do avistamento do foguete na segunda passada, logo eu, que tenho minhas próprias histórias de encontro e desencontro com além-espacial, coisa antiga que não convém deitar aqui sem ao menos um gole de cerveja.

Mas o pessoal estava certo, e o foguete chinês era chinês mesmo e era foguete, não uma rasga-lata ou foco desfocado de telefone celular a produzir gracejo para ocupar a internet.

Passeou pelo céu, foi pra lá e pra cá, e agora me arrependo de não ter corrido à janela a ver o que se passava e depois eu mesmo ter feito meus vídeos, que manteria gravados na memória, o registro do avistamento, não importa se de mecanismo produzido por mão de gente.

Importa o desenho, o grafismo, a hipótese do inexplicável, a pedra da Lua que eu traria no bolso mesmo que pedra comum.

Na segunda estava muito ocupado também, digo a mim mesmo agora, disfarçando a frustração. Mas minto. Queria ter visto, assim como queria ter encontrado na serra uma lasca alienígena, conforme o relato de um bêbado que colhi entre incrédulo e exultante.

Vai direto, dobra, dobra, passa da casa marrom, dobra de novo, sobe, desce, segue em frente e então continua, depois chega num açude e aí para e pergunta como faz pra alcançar o buraco da pedra deixado pela queda do meteoro.

Foi assim que o cabra me ensinou, e assim me perdi, eu, o motorista, o fotógrafo, os três afogueados porque eram já quatro horas da tarde e a gente perseguindo o quê? Nada.

Numa última casa insisti: a senhora não viu mesmo uma pedra por aí com tais e tais características?

A mulher riu e apontou a vastidão da serra e para além dela e disse “meu filho, só o que tem aqui é pedra assim”. Sossegue, perde-se uma vida procurando isso.

Pediu licença e entrou.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...

Cidade 2000

Outro dia, por razão que não vem ao caso, me vi na obrigação de ir até a Cidade 2000, um bairro estranho de Fortaleza, estranho e comum, como se por baixo de sua pele houvesse qualquer coisa de insuspeita sem ser, nas fachadas de seus negócios e bares uma cifra ilegível, um segredo bem guardado como esses que minha avó mantinha em seu baú dentro do quarto. Mas qual? Eu não sabia, e talvez continue sem saber mesmo depois de revirar suas ruas e explorar seus becos atrás de uma tecla para o meu computador, uma parte faltante sem a qual eu não poderia trabalhar nem dar conta das tarefas na quais me vi enredado neste final de ano. Depois conto essa história típica de Natal que me levou ao miolo de um bairro que, tal como a Praia do Futuro, enuncia desde o nome uma vocação que nunca se realiza plenamente. Esse bairro que é também um aceno a um horizonte aspiracional no qual se projeta uma noção de bem-estar e desenvolvimento por vir que é típica da capital cearense, como se estivessem oferec...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...