Voltei à praia e não vi a praia, apenas areia e destroço, cascalho rangendo a cada passo que dava enquanto tentava me aproximar do mar. Era escuro, ia a trabalho, as luzes dos postes mal iluminando quem passava ao lado, a ausência da água mesmo perto da água.
Aspirei mais fundo, nada. A paisagem subvertida, o calçadão alargado à força como se aberto ao pouso de um módulo lunar. Estávamos fora, a gravidade mais baixa deixava os movimentos mais lentos. Custávamos a chegar aonde quer que fosse. Um pouco de sonho, mas era real, eu sei.
Tinha comigo essa sensação de que acordava e dormia a cada dois segundos, num intercâmbio de mundos, de significações migrantes. Coisas que extrapolavam, excediam, exorbitavam. Dizem que do mar agora se corre porque muito perto já se afunda. É preciso então medir o passo quando se avança porque o risco do afogamento é maior.
Não sei se falam a verdade, se exageram, se mentem, eu mesmo não mergulhei ali para saber se cavaram mais do que deviam, é possível que sim, que um condutor distraído haja feito deixar a garra da escavadeira duas ou três vezes além do necessário, que possa ter se confundido olhando as páginas de planilhas.
Eu mesmo não quis provar da água. Andei apenas, fui de uma ponta a outra enquanto anotava e ouvia gravações, vozes desimportantes. Concentrava-me no ar da praia à noite, no ruído distante, o som sabe-se lá do quê, se de ondas quebrando ou de uma caixa de som tocando bregafunk.
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